Alto endividamento das famílias é desafio urgente para a economia brasileira

O alto endividamento das famílias brasileiras é desafio para a agenda econômica de 2023. Governo busca medidas para “desenrolar” esse índice que atinge sobretudo as famílias de menor renda.
Alto endividamento das famílias é desafio urgente para a economia brasileira
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Morgana Tolentino
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O alto endividamento das famílias representa um problema para o sistema financeiro e para a economia como um todo. Quando cenários de superendividamento se tornam crônicos, a tendência é se observar aumento na inadimplência, o que significa um aumento dos riscos dos bancos e um aumento do custo do crédito. Além disso, um aumento na parcela da renda das famílias que é comprometida com dívidas tende a reduzir o consumo da população, restringindo o crescimento econômico.

A questão do endividamento das famílias ganhou ainda mais importância desde o ano passado, quando o comprometimento da renda das famílias com dívida bateu recorde no país, acompanhado de um recorde também na inadimplência. Há, ainda, agravante pois se observa que esse endividamento afeta principalmente famílias com rendas mais baixas.

O endividamento das famílias brasileiras

O endividamento das famílias já foi pauta em outros momentos no Brasil e pode estar associado a diversos fatores, como o baixo letramento financeiro da população brasileira e os juros altos historicamente praticados no país. Contudo, observou-se uma piora significativa deste cenário nos últimos anos, impulsionada pela conjuntura econômica do COVID e do pós-COVID, e agravada por políticas econômicas insuficientes para lidar com o cenário pandêmico.

O auge da pandemia de COVID-19 obrigou a adoção de medidas de isolamento social e fechamento do comércio. Enquanto isso, a política de renda mínima adotada, o Auxílio Emergencial, se revelou inconstante, provocando insegurança nas famílias que tiveram suas rendas afetadas. Ao mesmo tempo, foram promovidas políticas para estimular o mercado de crédito, levando a taxa básica de juros da economia (a SELIC) a 2% (sua mínima histórica).

Com o passar do tempo, a crise do COVID-19 e as consequências da guerra Russo-Ucraniana geraram um processo inflacionário pelo mundo, levando diversos bancos centrais a aumentarem suas taxas de juros. O Brasil adotou essa mesma política para lidar com o aumento do nível de preços, e o BCB promoveu um aumento de 11,75 pontos percentuais na SELIC em apenas 1 ano e meio. Diante disso, o crescimento na contratação de crédito que tinha sido observado no período de juros baixos começou a pesar no bolso das famílias.

Em 2022, a parcela da renda das famílias comprometida com dívidas passou dos 30%, enquanto quase um terço das famílias mostrava contas em atraso (inadimplência).

Em 2022, a parcela da renda das famílias comprometida com dívidas passou dos 30%, enquanto quase um terço das famílias mostrava contas em atraso (inadimplência). Em ambos os casos, se trata do maior valor já observado na série histórica, o que dá uma dimensão do tamanho da crise. O cenário é ainda pior quando se trata da população de baixa renda, em que a inadimplência atinge mais de 37% das famílias.

Além disso, se observa uma piora na qualidade do crédito contratado: houve queda no crédito para consumo e financiamento de bens, ao mesmo tempo em que se observou um crescimento de 41% na aquisição de créditos relacionados a endividamento (renegociação de crédito pessoal, cheque especial e cartão de crédito nas modalidades rotativo e parcelado).

Alto endividamento das famílias: o que fazer?

Um cenário de alto endividamento das famílias é resultado da junção de uma série de fatores. Para lidar com esse tipo de problema, é necessário comprometimento de médio e longo prazo com a estabilidade econômica. Um cenário estável de crescimento econômico tende a aumentar a renda média das famílias, possibilitando que essas famílias arquem com suas dívidas contratadas. Além disso, a estabilidade econômica pode facilitar uma redução na taxa de juros, o que reduz o custo do crédito e facilita a renegociação de dívidas inadimplentes.

Também é importante ter um projeto contínuo de educação financeira da população, sobretudo diante do aumento da inclusão financeira proporcionada pelo avanço da digitalização do mercado. Com baixo (ou nenhum) conhecimento acerca do funcionamento do sistema financeiro e sua operação, aumentam as chances de que um indivíduo adquira produtos e serviços inadequados às suas necessidades.

Contudo, apesar da importância dessas medidas de médio/longo prazo, o atual cenário de superendividamento que se desenhou no Brasil exige ações imediatas mais enérgicas para que a situação seja minimamente controlada. É nesse sentido que a questão do alto endividamento das famílias se coloca como uma prioridade na agenda econômica de 2023.

Endividamento das famílias na mira do governo

A situação do alto endividamento das famílias já chamava a atenção desde o ano passado. A questão aparecia já no programa de governo do candidato eleito, ainda na época das eleições. A promessa era de promoção de renegociação de dívidas para os mais de 66 milhões de brasileiros inadimplentes (em agosto de 2022).

No dia 03 de janeiro de 2023, o governo então anunciou que já havia conversas sobre um programa de renegociação de dívidas, o Desenrola, que seria levado ao presidente ainda em janeiro. A ideia é que o programa se aplique a pessoas físicas, inicialmente de baixa renda, e também pode ser expandido para micro e pequenas empresas.

A proposta é de que o governo atue em duas frentes. Por um lado, as dívidas não bancárias seriam renegociadas com desconto e o governo arcaria com um fundo garantidor para tal. Por outro lado, a renegociação de dívidas bancárias sem garantias com desconto poderiam ser compensadas via relaxamento nos depósitos compulsórios que os bancos têm junto ao Banco Central. O lançamento do programa deve vir por meio dos bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, mas a expectativa é que tenha parceria também com os bancos privados.

A medida ainda está em fase de discussão e não tem, portanto, diretrizes claras. Contudo, a declaração do ministro da Fazenda é um indicativo de que o governo está ciente da gravidade do problema do alto endividamento das famílias no Brasil e da urgência em agir.

 

Morgana Tolentino é pesquisadora do Instituto Propague e mestra em Economia pela UERJ.

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