Mercado de crédito no Brasil: carteira evolui, mas setor segue altamente concentrado

Índices de concentração na casa dos 80% do saldo da carteira de crédito da pessoa física e de 63% para as empresas nos cinco principais bancos torna o Brasil um dos países com maior centralização no sistema bancário em todo o mundo.
Mercado de crédito no Brasil: carteira evolui, mas setor segue altamente concentrado
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Equipe Propague
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Em julho de 2021, a carteira de crédito para a pessoa física no Brasil fechou com saldo 50% superior ao registrado em igual mês de 2016, com novas concessões chegando a um valor 56% acima na mesma base de comparação. Essa dinâmica de crescimento também foi observada no crédito para as empresas. Em agosto deste ano, por sua vez, a carteira para a pessoa jurídica contabilizou um saldo cerca de 35% acima da média móvel anual em relação a 2016. No entanto, apesar desses avanços, o mercado segue altamente concentrado, com 80% do crédito para a pessoa física retido nos cinco principais bancos do país, com esse índice caindo para 63% quando se olha para o financiamento concedido às empresas.

Esses e outros resultados fazem parte do relatório “Mercado de crédito em dados – 1º semestre de 2021”, divulgado no fim de outubro pelo Instituto Propague em parceria com time de Economic Research da Stone, a fim de traçar um panorama do setor no período pré-Open Banking.

Além do crescimento considerável do saldo da carteira de crédito e da alta concentração dos financiamentos em apenas cinco instituições financeiras – quadro que deve, por enquanto permanecer, avaliam os autores do estudo -, o documento chama a atenção também para os níveis recordes de endividamento das famílias, embora acompanhado da queda na proporção de ativos problemáticos. Tais ativos referem-se às operações de crédito em atraso há mais de noventa dias e às operações nas quais existem indícios de que a respectiva obrigação não será integralmente honrada.

Também entre as conclusões, o relatório destaca o crescimento da portabilidade de crédito, principalmente entre as pessoas físicas, que apresentou forte avanço nos últimos cinco anos, tanto no número de pedidos como em saldo, e que ainda tem potencial para aumentar. Isso porque, explicam os pesquisadores, existe um universo significativo de tomadores com operações de crédito com taxas de juros acima da média do mercado.

Concentração do mercado é uma das maiores do mundo

De acordo com a publicação, o índice de concentração na casa dos 80% do saldo da carteira de crédito da pessoa física nos cinco principais bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica, Itaú e Santander), torna o Brasil um dos países com maior centralização no sistema bancário em todo o mundo. A título de comparação, entre as maiores economias do planeta, apenas a França tem números semelhantes aos brasileiros. Já os Estados Unidos, por exemplo, têm pouco mais de 40% de ativos concentrados nos cinco principais bancos. Enquanto isso, a Índia, detém cerca de 35%.

Ao lado dessa elevada taxa de concentração do mercado de crédito, o relatório destaca ainda a grande estabilidade intra modalidades, com destaque para a Caixa Econômica que detém a maior parcela do saldo total da carteira de financiamento para a pessoa física no Brasil, e para o Itaú, tendo em vista os empréstimos relacionados a cartão de crédito.

No entanto, avaliam os autores do relatório, no contexto esperado com o Open Banking, “ao atacar a barreira informacional entre bancos dominantes e os novos participantes, dentre eles, as fintechs, permitindo e disciplinando o compartilhamento de dados transacionais dos usuários e a inicialização de serviços por terceiros, isso poderá gerar uma grande transformação na lenta evolução que se observa no setor bancário brasileiro, permitindo maior competição, preços menores e uma queda na alta concentração no setor”.

Mercado de crédito e endividamento

Outro indicador presente no documento divulgado pelo Instituto Propague sobre o mercado de crédito brasileiro é o nível de endividamento das famílias, que alcançou níveis recordes. Com base nos dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o relatório mostra que 67,2% das famílias brasileiras se declararam endividadas em agosto deste ano. Fazendo um recorte para as famílias que recebem até 10 salários-mínimos, o índice sobe para 68,9%. Além disso, dentre as famílias endividadas, aponta ainda a publicação, 7,7% declaram que não terão condições de arcar com suas dívidas.

Já no que diz respeito à demanda por crédito das pessoas jurídicas, o relatório aponta para um panorama inicial de heterogeneidade, tendo em vista o porte e o setor das empresas. “É interessante notar que a trajetória da necessidade de financiamento é bastante homogênea com relação aos setores econômicos durante todo o horizonte temporal do estudo, mas uma análise por porte das empresas conta uma história um pouco diferente”, explicam os autores do estudo.

No caso das micro e pequenas empresas, por exemplo, a busca por financiamento oscilou menos do que a das empresas de médio e grande portes até o fim de 2019. Por outro lado, com o início da pandemia da Covid-19, ao fim do primeiro trimestre de 2020, a demanda por financiamento dos micro e pequenos empreendedores chegou a cair até 10% frente ao que foi observado em igual período do ano anterior.

Segundo os pesquisadores, a explicação por trás dessa dinâmica está na incerteza quanto à capacidade que teriam de pagar seus empréstimos. “Isso dependeria do controle da doença e do fim das regras de isolamento social. Nesse caso, se a pandemia durasse por um período muito prolongado, era grande a chance de ainda terem de fechar as portas, porém mais endividados”, afirmam.

Ao mesmo tempo, destaca o relatório, “as instituições financeiras, em um movimento de redução do nível de exposição ao risco de suas carteiras de crédito para um patamar compatível com o cenário econômico mais pessimista que se desenhava, reduziram a oferta de crédito e aumentaram os juros cobrados para novos financiamentos, contribuindo para que os empréstimos aos micro e pequenos empresários se tornassem ainda menos atrativos”.

Porém, apesar dos níveis de endividamento e do aumento significativo do saldo total das carteiras de crédito, tanto das pessoas físicas como jurídicas, a publicação ressalta que têm se observado uma tendência de redução de ativos problemáticos. Ou seja, de operações de crédito em atraso há mais de noventa dias ou daquelas onde há indícios de não pagamento.

Modalidades de crédito

Analisando o mercado de crédito para a pessoa física e dentro desse segmento por setor, no caso o crédito livre e o crédito direcionado, a publicação aponta que, por causa da pandemia, os setores de concessão de crédito livre mais atingidos foram os relacionados a cartão de crédito, tanto nas modalidades à vista, quanto parcelada. Nesse contexto, ressalta, houve crescimento, porém, caindo para taxas negativas em ambos os casos, indicando impacto direto da redução de mais de 12% no consumo das famílias brasileiras entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020. Vale destacar que o crédito livre engloba ainda o crédito pessoal consignado e não consignado e o financiamento de veículos.

Porém, apesar desse comportamento, o estudo chama a atenção para o fato de que tal qual o volume de concessões total, “a rápida recuperação no setor também foi bastante acentuada”. Em março de 2021, na comparação com igual mês do ano anterior, registrou alta de 40%.

Enquanto isso, ao abordar o crédito direcionado para a pessoa física, que contempla os setores imobiliário, microcrédito para consumo, microcrédito para micro empreendedorismo e ainda o setor rural, o relatório destaca, em especial, o comportamento das concessões de microcrédito nas duas modalidades.

De acordo com os pesquisadores, a pandemia também teve grande impacto no setor de microcrédito para microempreendedores, contribuindo para forte desaceleração no crescimento das concessões, saindo de um patamar de 30% de crescimento, entre abril e setembro de 2019, para apenas 9% na comparação com igual intervalo de tempo em 2020. Ao mesmo tempo, o microcrédito voltado para o consumo também viu sua taxa de crescimento anual cair significativamente, passando de quase 30% em março de 2020 para 17% em setembro.

Enquanto isso, quando se olha para as principais modalidades de crédito para a pessoa jurídica, no crédito livre destaca-se o forte crescimento do financiamento de capital de giro, principalmente no período após os impactos da pandemia. Essa modalidade teve crescimento acelerado, chegando a quase 50% em novembro de 2020 ante igual mês do ano anterior.

A explicação para esse fenômeno, explicam os autores do relatório, “reside no alto impacto que a pandemia teve no faturamento das empresas e a forte retração econômica experimentada pelo país”. “Assim, para não fechar as portas, talvez as empresas tenham primeiro usado suas reservas financeiras (explicando o ápice dessa modalidade ter ocorrido paulatinamente) e, depois, recorrido ao endividamento”, afirmam.

Ainda de acordo com eles, o resultado é que, atualmente, semelhantemente ao que acontece às famílias brasileiras, também há níveis de endividamento históricos em meio às empresas. “Em dados recentes de pesquisa realizada pelo Sebrae e FGV (Fundação Getúlio Vargas), 52% das micro e pequenas empresas estão sem reservas financeiras e, dessas, 12% enfrentam dificuldades para pagar as contas em dia”, expõem.

Outra trajetória na modalidade de crédito livre para empresas que merece destaque, coloca o relatório, é a antecipação de recebíveis. “Com o advento da pandemia, essa linha viu sua trajetória de crescimento cair de pouco mais de 30% em março de 2020 para apenas 5% em junho do mesmo ano, muito em função da forte queda de faturamento das empresas brasileiras e, consequentemente, da falta de recebíveis para antecipar”, expõe. Porém, com a retomada da economia, mesmo que de forma gradual, o índice de crescimento dessa modalidade, indica o estudo, chegou a aproximadamente 60% em julho de 2021, ante igual mês de 2020, o maior valor desde 2019.

Já no que diz respeito às modalidades de crédito direcionado para pessoa jurídica, o financiamento para capital de giro, no caso junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é o que mais se destaca. Tal modalidade apresentou crescimento expressivo com o advento da pandemia, chegando a valores de crescimento superiores a 80% em julho deste ano frente a igual mês de 2020. Para mais detalhes sobre essas e outras conclusões acesse aqui o relatório completo.

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