Euro Digital: Banco Central Europeu planeja emissão de moeda digital

Banco Central Europeu estuda emissão de versão digital para o euro. Mais de 8 mil pessoas responderam consulta pública para definir as principais características que a moeda digital deverá ter se for implementada. Privacidade das transações é a preocupação número 1 dos respondentes.
Euro Digital: Banco Central Europeu planeja emissão de moeda digital
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Por Joana Vaccarezza, pesquisadora do Instituto ProPague
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Encerrou-se dia 12 de janeiro deste ano a consulta pública do Banco Central Europeu (BCE) sobre o Euro Digital. Trata-se do projeto de moeda digital emitida por banco central (CBDC, do inglês central bank digital currency) para a zona do Euro. O projeto é realizado por uma força tarefa do Sistema Europeu de Bancos Centrais sob a liderança do BCE.

A consulta dirigida a cidadãos e organizações europeias foi lançada em outubro do ano passado (2020), após a publicação de um relatório sobre a potencial emissão de uma versão digital do euro. Durante três meses, mais de 8 mil respostas foram enviadas ao BCE – um número recorde para as consultas realizadas pelo banco.

“O alto número de respostas à consulta mostra que os cidadãos, empresas e acadêmicos da Europa têm muito interesse em moldar a visão de um euro digital. As opiniões de todas as partes interessadas são da maior importância para nós ao avaliarmos a necessidade, viabilidade e riscos e benefícios de um euro digital”, disse Fabio Panetta, membro do Conselho Executivo do BCE, em carta ao Comitê de Assuntos Econômicos e Monetários (ECON) do Parlamento Europeu.

O Euro Digital segue em fase de estudo. O BCE e a Comissão Europeia devem comunicar se darão continuidade ao projeto ou não na metade deste ano, após estudar os resultados da consulta e avaliar os requisitos técnicos e regulatórios necessários para a implementação da CBDC no futuro.

| Leia também: CBDC: o que são as moedas digitais dos bancos centrais

Euro digital na corrida dos bancos centrais por moedas digitais

O estudo do BCE ocorre em paralelo a outras iniciativas de criação de moedas digitais por bancos centrais. Um estudo do BIS relata que, até julho de 2020, pelo menos 36 bancos centrais haviam publicado materiais relacionados à emissão de CBDCs em varejo ou atacado. Atualmente, esse número pulou para 46. Em setembro do mesmo ano, a presidente do BCE admitiu que a Europa estava atrasada na implementação de moedas digitais comparada a outras regiões.

Com o avanço dos testes de moeda digital no varejo ao redor do mundo, os provedores de serviços de pagamentos, bancos comerciais e empresas de tecnologia também podem testar novos produtos baseados nas CBDCs. Assim, o lançamento precoce de uma moeda digital pode representar uma vantagem competitiva para os mercados dos países pioneiros.

A primeira CBDC oficialmente lançada é o Sand Dollar das Bahamas, mas a China é a principal economia com um projeto de CBDC em estágio avançado. O projeto é encabeçado pelo Banco Popular da China (BPC) e intitula-se Digital Currency and Electronic Payment (DC/EP). Atualmente, a fase piloto ocorre apenas em algumas cidades. Para acessar o DC/EP, os cidadãos chineses precisam fornecer uma forma única de identificação, como um número de celular.

Os experimentos do DC/EP têm ocorrido na forma de loterias em datas comemorativas: residentes das regiões selecionadas são sorteados para receber uma quantia de yuans digitais. Estes podem ser gastos na rede de mais de 35 mil estabelecimentos cadastrados para receber o yuan digital. Para o feriado do Ano Novo Chinês, entre 1º e 9 de fevereiro, serão emitidos ¥ 20 milhões em yuan digitais, que serão distribuídos para 100.000 sorteados na cidade de Shenzhen.

O programa de moeda digital chinesa avança num contexto em que a sociedade já está habituada aos pagamentos por meio digital, utilizando aplicativos como o WeChat e o Alipay. Ainda assim, no início de janeiro, o Agricultural Bank of China iniciou a operação de ATMs para o DC/EP, que permite que cidadãos realizem a conversão entre yuans físicos e digitais.

Enquanto o DC/EP é a princípio um projeto de moeda digital destinado apenas às transferências domésticas, um projeto paralelo será desenvolvido pelo Blockchain-based Service Network (BSN) visando a possível implementação de uma rede global descentralizada que possa conectar CBDCs de vários países no futuro, segundo comunicado.

No continente europeu, o destaque é o piloto do e-Krona na Suécia, onde os pagamentos digitais são bastante difundidos, assim como na China. O projeto do e-Krona utiliza a tecnologia Corda de registro distribuído (DLT – distributed ledger technology), sendo um exemplo para CBDCs em estrutura descentralizada. Na China, a estrutura é híbrida, pois o BPC avalia que uma rede em DLT ainda não tem capacidade de processar pagamentos na velocidade que a economia chinesa requer.

O Banco Central do Brasil também estuda a emissão de uma moeda digital de uso universal. Em 2018, foi publicado um estudo preliminar sobre uma versão digital para o real. Em agosto do ano passado, o Bacen criou um grupo de estudos para dar seguimento ao projeto, visando dois principais objetivos: a redução dos custos envolvidos na emissão de cédulas e moedas e a promoção da cidadania financeira. A introdução de uma moeda digital é vista pelo Presidente do Banco Central como a extensão natural de outros desenvolvimentos da agenda de inovação do Bacen, como o Pix e o open banking, e poderia ser lançada em 2022.

| Confira também o podcast Moeda Digital: os próximos passos do Banco Central | Panorama Econômico #27 com Carlos Ragazzo

Alguns países estudam a implementação de moeda digital apenas no atacado, ou seja, de acesso exclusivo a instituições financeiras autorizadas para o processamento de transações de grandes valores. Nesse caso, a novidade se concentra na tecnologia utilizada, uma vez que a liquidação de pagamentos entre IFs já ocorre em sistemas eletrônicos dos bancos centrais há bastante tempo. O banco central francês comunicou em 19 de janeiro de 2021 ter encerrado um experimento piloto de moeda digital de atacado usando tecnologia DLT para a liquidar transferências de mais de € 2 milhões.

Quais são as dúvidas sobre o Euro Digital neste momento?

Além da distinção entre os tipos de CBDC acessível ao público geral (varejo) e uma disponível apenas para instituições (atacado), os bancos centrais devem optar entre uma estrutura de liquidação descentralizada, utilizando tecnologia de registro distribuído (DLT), ou o modelo já existente de estrutura centralizada, em que o banco central valida e liquida as transações.

O acesso às CBDCs de varejo pode ocorrer por meio de tokens digitais (códigos numéricos que podem ser anônimos), de contas pessoais junto ao BC ou em instituição autorizada, ou ainda através de um híbrido entre esses dois modelos. Além disso, os bancos centrais também precisam definir qual será seu papel na arquitetura do novo arranjo e quais serão as atribuições das IFs autorizadas.

A escolha por cada uma dessas opções não são meros detalhes técnicos, mas respondem a diferentes prioridades e necessidades dos usuários, conforme Auer e Bohmer destacam.

No caso do Euro Digital, planejado para atender os pagamentos de varejo, o BCE já definiu cinco princípios que a moeda deve seguir:

Conversibilidade: o Euro Digital deve ser conversível par a par com o euro físico, e não será uma moeda paralela;

• Passivo do sistema Euro: o Euro Digital será um passivo do banco central e sua emissão será controlada pelo sistema Euro;

Solução europeia: A CBDC do BCE deve ser acessível em todos os países da Zona do Euro;

Neutralidade de mercado: a emissão do Euro Digital não deve substituir ou competir com soluções privadas (crowding out);

Confiança: usuários devem confiar na CBDC desde o início.

Partindo desses princípios, o BCE contempla dois modelos de acesso que podem coexistir. O primeiro é um modelo que prioriza a privacidade e proteção dos dados dos usuários, baseado em tokens digitais que poderiam ser usados a qualquer momento, sem necessidade de conexão à internet.

O segundo modelo é baseado em contas junto ao BCE ou instituições intermediárias e só funcionaria online, mas permitiria a oferta de serviços adicionais por provedores do setor privado.

O BCE já definiu que, se implementar o Euro Digital, será o responsável pela emissão e o registro das transações (pelo menos a nível de atacado). Ainda avalia exatamente qual papel será atribuído às instituições financeiras em dois tipos de estrutura – centralizada ou descentralizada. Algumas questões técnicas também estão em aberto e foram objeto da consulta pública, como quais estruturas de hardware e software deverão ser criadas para atender o modelo escolhido.

Na consulta dirigida aos usuários finais, o BCE pediu para os respondentes classificarem em ordem de importância uma série de funcionalidades que a CBDC poderia ter, dentre as quais; escopo regional, privacidade, gratuidade, usabilidade multicanal, possibilidade de pagamentos offline, segurança, instantaneidade. A consulta também questionou sobre a preferência dos usuários em relação aos dois modelos de acesso à CBDC: o modelo baseado em contas ou o modelo baseado em tokens digitais.

Aos especialistas da área, foram dirigidas 14 perguntas abertas sobre diversos aspectos da CBDC. As questões abrangiam de soluções para prevenção de fraudes e dupla contagem à possibilidade de remuneração dos depósitos em euro digital, passando pelo papel de cada organização na oferta do euro digital e de serviços adicionais, além dos requisitos operacionais para integração com arranjos já existentes.

Privacidade dos pagamentos é prioridade dos europeus para o Euro Digital

93% das mais de 8 mil respostas à consulta do BCE foram enviadas por indivíduos. Das 536 organizações que se manifestaram, 50% foram empresas e 14% instituições acadêmicas. Associações empresariais, de consumidores e sindicatos também se manifestaram.

Um relatório completo com os resultados da consulta deve ser publicado entre abril e junho deste ano. Por enquanto, o BCE adiantou as três prioridades que os participantes da consulta escolheram para uma potencial moeda digital.

A privacidade dos pagamentos foi a funcionalidade mais escolhida, elencada como mais importante por 41% dos respondentes. Em segundo lugar, apareceu a segurança das transações, destacada por 17%. A cobertura da moeda digital em toda a zona do Euro ficou em terceiro lugar, com 10% das respostas.

Funcionalidade mais importante para o euro digital:

Gráfico - Funcionalidade mais importante para o euro digital

Fonte: Banco Central Europeu.

Esse resultado preliminar já aponta numa direção importante. Se o Banco Central Europeu mantiver a promessa de incorporar a visão do público no desenho do Euro Digital, deverá ter a privacidade das transações como um dos critérios fundamentais.

Para isso, será necessário criar soluções que permitam que as transações ocorram com anonimato ou pelo menos um pseudônimo para os cidadãos europeus. Isso direciona a potencial emissão do Euro Digital ao modelo de tokens ou, mais provavelmente, um modelo híbrido que combine alguma medida de identificação pessoal para acessar a moeda digital, mas com transações offline possibilitadas por tokens.

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