O Senado aprovou o Projeto de Lei que regula criptoativos no Brasil em abril. Tal movimento acompanha uma tendência internacional que ganhou força em 2021, quando diversos países desenharam e/ou aprovaram projetos regulatórios. Embora não seja necessariamente progressista na visão de viabilizar o Brasil como um grande hub regional de criptoativos, com propostas para incrementar emprego e serviços na área, o projeto aprovado no Senado e que será votado pela Câmara propõe mecanismos que oferecem segurança jurídica para o mercado se desenvolver.
Regulação de criptoativos: o projeto aprovado no Senado
De forma geral, o projeto aprovado 一 que foi construído a partir da unificação de propostas já em tramitação na Câmara e no Senado paralelamente 一 foca em definir diretrizes sobre como deve ser feita a prestação de serviços envolvendo ativos virtuais. Com a votação motivada pela movimentação de mais de R$ 200 bilhões em criptoativos nos últimos 2 anos, que foi acompanhada de um crescimento de 306% nas operações da Polícia Federal para combater fraudes envolvendo o setor entre 2020 e 2021, o texto tem quatro pontos de destaque que ajudam a sustentar que o caminho para o mercado de criptoativos no Brasil é promissor.
O primeiro ponto é a definição de ativo virtual. No texto, é colocado como “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, com exceção das moedas nacionais tradicionais e ativos já regulamentados em lei”. Um ponto de dificuldade no debate internacional, a clareza sobre o que é um ativo virtual e a quais ativos específicos essa definição se aplica são um ponto de partida positivo em termos de segurança jurídica para empresas que atuam no mercado, já que facilita a identificação do objeto que está sendo regulado.
Ainda há um ponto de incerteza e limitação, no entanto: o projeto não define quais criptoativos se enquadram na definição de ativo virtual. Esse papel caberá aos órgãos reguladores, que serão definidos pelo Executivo, caso a lei seja aprovada na Câmara e sancionada pela Presidência. Já foi mencionado, por exemplo, que a legislação não foi escrita pensando em NFTs, mercado que passou por grande expansão em 2021 e volatilidade relevante em 2022.
O segundo destaque é a obrigatoriedade de credenciamento: empresas que atuarem com quaisquer ativos enquadrados como virtuais, como as corretoras que fazem a compra e venda de criptoativos, deverão se credenciar no órgão regulador definido, que terá o papel de definir as regras de credenciamento em decreto.
Novamente, há incerteza pela falta de detalhamento do que será necessário para o credenciamento. Ainda assim, a medida é comum em regulações maduras e promotoras do setor, como a de Singapura. O entendimento é de que este mecanismo dificulta que agentes mal intencionados e capazes de fragilizar o mercado consigam atuar. Hoje, por exemplo, empresas sérias que atuam no segmento de criptoativos brasileiro acabam sofrendo com a má reputação do mercado em relação a fraudes devido à livre atuação desse tipo de agente.
“Olhando para esses princípios gerais que norteiam a legislação, a impressão que fica é a de um primeiro passo na direção correta.”
Os dois últimos pontos de destaque seguem a mesma linha de proteger o mercado: há um foco em endurecer penas 一 oferecendo maior clareza sobre quais são elas 一 e em descrever diretrizes básicas de operação focadas em transparência, governança e na prevenção contra lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. A título de exemplo, o projeto torna obrigatório o registro de todas as transações que ultrapassarem limites fixados pelo Coaf.
Vale destacar que, apesar do discurso focado em endurecer penas e da proposta de alterar o código penal para incluir o crime de fraudes com criptomoedas – e colocá-lo na legislação referente a crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro -, o resultado da votação foi propositivo.
A proposta original era de pena de 4 a 8 anos de prisão, mas foi diminuída para 2 a 6 durante a votação para que ficasse mais próxima da pena para estelionato. Independentemente da análise específica ao tema penal, que ainda não possui consenso, o resultado sugere que o objetivo de controlar as fraudes não está sendo buscado por meio de uma lógica extremada e contrária ao mercado de criptoativos como um todo.
Olhando para esses princípios gerais que norteiam a legislação, a impressão que fica é a de um primeiro passo na direção correta. Ainda que existam limitações, notoriamente a falta de detalhamento e dependência de normativos posteriores que podem ser prejudiciais a depender de como forem desenvolvidos, o projeto aprovado não segue o caminho de países de grandes economias emergentes, como a China e a Índia.
O futuro dos criptoativos no Brasil: onde o país se posiciona na competição?
Enquanto a China terminou 2021 com um banimento completo do mercado em meio a um “tech crackdown˜ que tem sido associado a uma queda representativa de valor de suas empresas, a Índia alterna entre propostas de proibição geral e projetos de lei com proibições focalizadas e altas taxas de tributação aos ativos permitidos.
O caso da China é de fácil compreensão: uma proibição ampla impede qualquer tipo de atuação, de modo que as empresas tiveram que parar operações (em tudo, desde a mineração até a comercialização de criptoativos, incluindo todas as etapas intermediárias). O caso da Índia, no entanto, é diferente: além da possibilidade de proibição, a própria incerteza e alternância de posicionamentos já é negativa para o mercado, que fica sem referência para tomada de decisão de investimento. Também cria dificuldades para o consumidor, que fica inseguro sobre como prosseguir.
Nesse sentido, o fato de o Brasil ter conseguido coordenar projetos que estavam correndo em paralelo para votação no Senado e aprova-lo na primeira etapa do processo, já demonstra um caminho menos tortuoso para o mercado. Além disso, os princípios gerais norteando a proposta podem ser encontrados em benchmarks internacionais relevantes, como Singapura e Japão.
Se as medidas não são agressivas para o fim de tornar o Brasil um hub internacional de criptoativos, como a Austrália vem propondo, elas são propositivas o suficiente para garantir segurança jurídica e espaço de desenvolvimento para o mercado. Considerando o posicionamento reativo de outras grandes economias emergentes, o país pode acabar bem-posicionado internacionalmente, ainda que de uma perspectiva regional.
Vale destacar, no entanto, que este foi apenas um primeiro passo, de modo que quaisquer resultados positivos dependerão dos seguintes. O projeto aprovado no Senado ainda precisa ser aprovado na Câmara e sancionado. Além disso, o executivo ainda terá de apontar o órgão responsável pelas normas específicas, que precisaria seguir a mesma direção de cautela propositiva para as expectativas continuarem na direção aqui destacada. A depender de como esse caminho for percorrido ao longo de 2022, o resultado para o mercado pode ser um ambiente de negócios melhor e, para consumidores, mais seguro.
Bruna Cataldo é pesquisadora do Instituto Propague e doutoranda em economia pela UFF.
Veja mais:
O Rio quer ser um hub de criptomoedas, mas há profissionais qualificados para isso? – Insight 4
Apps de cripto: uso avança globalmente com destaque para a América Latina
Regulação de criptoativos tem nova regra na Europa que proíbe transações anônimas