Embora a inflação tenha conquistado o papel principal no novo capítulo da economia global, a crise climática não pode ser apenas uma coadjuvante a ser ignorada. Entre ondas de calor na Europa e Índia, secas nos Estados Unidos e África Ocidental e as recorrentes enchentes na China impactando commodities, é importante que os responsáveis pelas agendas financeiras aprendam urgentemente a enfrentar o fenômeno da inflação sem que a agenda sustentável seja deixada de lado.
Inflação: a nova barreira das demais agendas
O sistema financeiro tem cumprido um bom papel no movimento de trazer as pautas verdes e climáticas para o centro do debate global. Porém, os responsáveis por esse mesmo sistema não pareciam estar preparados para ter que lidar com os avanços e necessidades de uma transição para uma economia mais sustentável em meio à uma onda global de inflação.
O sistema financeiro tem cumprido um bom papel no movimento de trazer as pautas verdes e climáticas para o centro do debate global. Porém, os responsáveis por esse mesmo sistema não pareciam estar preparados para ter que lidar com os avanços e necessidades de uma transição para uma economia mais sustentável em meio à uma onda global de inflação.
O aumento de juros decorrente dos cenários inflacionários têm feito com que os investidores sejam mais conservadores em relação a investimentos alternativos de forma geral, como startups e universo cripto. Considerando que um dos grandes desafios para a transição verde é justamente o déficit de capital para investimento destinado à mudança com o mínimo de riscos de transição, a inflação tem se mostrado um grande obstáculo para o avanço da agenda sustentável.
Nesse momento, mais do que nunca, é crucial que os mercados financeiros tenham informações acessíveis e transparentes sobre os riscos e impactos que a crise climática e ambiental oferecem. Governos nacionais e seus reguladores precisam ter uma postura firme tanto em relação às suas metas de desenvolvimento sustentável quanto em relação à responsabilidade de divulgação de dados e relatórios como parte de uma gestão de risco eficiente de empresas e demais atores do setor público e privado como estratégia de segurança de investimento e atração de alocação de capital verde.
O que vinha sendo feito? Divulgações financeiras relacionadas ao clima
O Conselho de Estabilidade Financeira (em inglês, Financial Stability Board, FSB) criou em 2015 a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD) e a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD) em 2020, ambas com o objetivo de orientar e aprimorar a relação do mercado financeiro com os fenômenos derivados das mudanças climáticas e as crises ambientais. Um dos principais objetivos de se ter uma estrutura de divulgação padronizada é alcançar o maior entendimento e clareza entre o público-alvo, permitindo que, cada vez mais, novos investidores se sintam confortáveis e seguros na tomada de decisão de suas aplicações de capital em investimentos relacionados ao clima e ao meio ambiente.
A TNFD ainda está em sua versão beta, mas conta com a inovação para alinhar o uso de dados, mercado financeiro e natureza inclusiva para estruturar seu padrão de gestão de riscos. Já as recomendações do relatório TCFD destacam quatro áreas que colaboram com a estrutura de uma organização ou empresa, sendo elas: (i) governança, (ii) estratégia (iii) gestão de riscos, e (iv) metas e métricas. A descrição eficaz do papel da administração na avaliação e gestão de riscos e promessas relacionadas ao clima, o impacto do conhecimento de risco no planejamento e estratégia, os processos de identificação de riscos e outros pilares de divulgação possibilitam uma análise de cenário bastante segura e válida, possibilitando que esse material seja usado como garantia para investidores.
Ainda que as recomendações do TCFD e os esforços para melhoria das divulgações tenham tido resultados positivos desde sua criação em 2015, o cenário já não estava nem perto de ser o ideal mesmo antes do período inflacionário tirar o foco da agenda. Em 2019, eram somados até US$ 34 bilhões de investidores e apenas 36 bancos centrais e agentes reguladores comprometidos com disclosures climáticos eficazes. Essa insuficiência de resultados pode ser explicada pelo caráter voluntário das recomendações e pela ausência de comprometimento das autoridades em enxergar a transparência de divulgação como um diferencial facilitador da transição sustentável. Ainda que essa troca do caráter voluntário para o obrigatório pareça ser a direção natural para maximizar o retorno de capital e direcionar investimentos seguros e comprometidos com a transição, o alinhamento de prioridades em alguns países pode ser um empecilho maior.
Novas regras, novas soluções
Alguns países, no entanto, resolveram fazer a transição de divulgações voluntárias para obrigatórias, percebendo o movimento como uma boa aposta para nova estratégia na resiliência e confiabilidade do mercado. As atuações mais recentes podem ser vistas na Nova Zelândia e no Reino Unido.
O governo da Nova Zelândia reconheceu que a maioria de suas empresas e organizações financeiras forneciam informações incompletas ou de nenhum valor relacionado ao risco climático e que isso prejudicava os objetivos do país em cumprir sua meta de descarbonização até 2050. Com a obrigatoriedade de padronização e publicação de resultados, a Nova Zelândia espera criar uma rotina de inclusão dos fatores climáticos e ambientais nas tomadas de decisão de negócios e investimentos, além de garantir uma economia mais resiliente aos eventuais impactos físicos e de transição.
Já o Reino Unido, no primeiro semestre de 2022, se tornou o primeiro país do G20 a aplicar regras obrigatórias em relação aos relatórios sobre riscos de mudanças climáticas. A estratégia inicial é voltada para as grandes empresas registradas no país, com foco em bancos e seguradoras; porém, no futuro, pequenas e médias empresas (PMEs) também serão incluídas na nova obrigatoriedade.
Outros também já começaram a se manifestar e apontar para um futuro em que a divulgação será obrigatória: Hong Kong anunciou o comprometimento de todos os seus bancos com a medida até 2025 e Singapura começou a aplicar as regras de obrigação na SXG, a bolsa de valores do país.
Tais iniciativas sugerem que, ainda que medidas mais ativas e de maior intervenção não sejam prioridade em um ambiente de crise e inflação, o prosseguimento com ações relacionadas à divulgação de dados é possível e desejável. Em cenários como esse, a postura dos responsáveis financeiros e grandes players do setor que determinam o curso que o mercado vai seguir.
O comprometimento e a promoção do uso das recomendações TCFD e demais disclosures em relação aos riscos climáticos é uma forma de mostrar segurança e confiabilidade em investimentos alternativos vinculados à sustentabilidade em meio a um mercado global incerto.
Amanda Stelitano é pesquisadora do Instituto Propague e mestranda em Economia Política Internacional pela UFRJ.
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