Cidadania financeira: relatório do BC traça panorama no Brasil

Segundo a autoridade monetária, o Auxílio Emergencial e a digitalização aumentaram a inclusão financeira da população. O documento traz também um recorte dos principais desafios enfrentados por determinados grupos sociais e sua relação com o SFN.
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Equipe Propague
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Nos últimos três anos, a parcela da população brasileira que mantém algum relacionamento com as instituições financeiras cresceu quase 10 pontos percentuais, atingindo a marca de 96%, ao fim de 2020, ante os poucos mais de 86% registrados em 2018 (ano base 2017), quando o Banco Central (BC) publicou pela primeira vez o seu Relatório de Cidadania Financeira, que, em 2021, chega à segunda edição. No entanto, o BC informa que esse alto percentual se deve, em parte, à inclusão de todas as contas não encerradas, inclusive aquelas que possuem saldos muito pequenos ou que não registraram movimentação por longos períodos.

Embora os bancos ainda respondam pela maior fatia dos relacionamentos das pessoas físicas com o Sistema Financeiro Nacional (SFN), entre 2018 e 2020, observou-se maior diversificação nos tipos de instituições financeiras utilizadas pela população. Nesse período, a autoridade monetária identificou que a participação das instituições de pagamentos (IPs) cresceu substancialmente frente às demais. No intervalo de tempo em questão, a quantidade de relacionamentos dentro do universo das IPs teve um salto de 179%, ao passo que quando comparado com todas as instituições do SFN, o incremento foi de 49%.

A saber, essas instituições são empresas que viabilizam serviços de compra e venda, assim como a movimentação de recursos. No seu rol de serviços estão os cartões pré-pagos, aplicativos para smartphones, bem como equipamentos de pagamento para empresas. Contudo, diferentemente dos bancos, elas não podem conceder empréstimos ou financiamentos à sua clientela. Além das IPs e dos bancos, as cooperativas e instituições de crédito são exemplos de instituições que integram o SFN.

Auxílio emergencial impulsiona a inclusão financeira

Ao traçar um panorama da cidadania financeira no país, em sua segunda edição, o relatório do BC também chama a atenção para o papel do Auxílio Emergencial, concedido pelo Governo Federal para parte mais vulnerável da população com o intuito de atenuar os efeitos da pandemia de Covid-19 sobre a economia brasileira. Conforme o Banco Central, isso ajudou a aumentar a inclusão financeira no país, tanto que, como efeito imediato, esse auxílio foi responsável pela abertura de milhões de novas contas para o seu recebimento. Fato que também ajuda a explicar o crescimento significativo de relacionamentos das pessoas físicas com as instituições financeiras em 2020.

Para se ter uma ideia, entre 2018 e 2020, 261 milhões de novos relacionamentos foram criados, sendo 139 milhões por meio de bancos e 80 milhões através de IPs. Segundo o BC, esses novos relacionamentos incluem pessoas que já possuíam alguma relação com o SFN, porém, mesmo assim decidiram abrir conta em outra instituição.

Na avaliação do BC, o aumento da utilização das IPs pela população revela uma maior demanda das pessoas por canais digitais de relacionamento. Conforme a autoridade monetária, “mesmo as faixas de renda mais baixas têm procurado de forma crescente relacionamentos com as IPs, as quais se concentram fortemente na oferta de serviços financeiros digitais”.

Esse mesmo grupo da população, emenda o relatório, também adotou de forma expressiva o Pix nos primeiros meses após a sua implementação. Além disso, a migração para os canais digitais, complementa, se deu mesmo em um cenário em que a renda surgiu como principal empecilho para se ter acesso à internet e a meios de pagamento digitais.

Uso da poupança

Tendo em vista a relevância para a análise de como os serviços financeiros estão sendo utilizados pela população, o Relatório de Cidadania Financeira do BC traz ainda informações de contas de depósito à vista, a prazo e de poupança, pois são serviços básicos oferecidos pelos bancos que garantem a guarda e a movimentação de recursos.

Segundo o BC, nos últimos três anos, houve um crescimento em número de clientes e saldo de depósitos nos três serviços, com destaque especial para os depósitos a prazo. Nessa modalidade, ocorreu um aumento expressivo de clientes, na casa dos 145% (20,5 milhões para 50,3 milhões), indicando ampliação do público que acessa esse instrumento financeiro.

Em relação aos depósitos de poupança, entre 2018 e 2020 houve acréscimo na quantidade de clientes da ordem de 50% (de 158,1 milhões para 237,6 milhões), assim como de aproximadamente 28% no saldo total depositado (de R$ 783 milhões para R$ 1 bilhão). Porém, esse último, apresentando valor médio 15% inferior na comparação a 2018. Para o BC, tanto o aumento na quantidade de clientes quanto a queda no valor médio depositado podem estar relacionados com o Auxílio Emergencial, disponibilizado por meio de contas de poupança digitais.

Desigualdade no crédito

Já no que diz respeito ao uso do crédito, que também é um aspecto importante quando se trata de cidadania financeira, o BC aponta que nos últimos três anos observou-se um crescimento de cinco pontos percentuais na parcela da população com alguma operação no país. Entre 2018 e 2020, esse contingente saiu de 44% para 49%. Entretanto, olhando pelo lado da renda, observa-se como o seu uso reflete a desigualdade no Brasil. Afinal, 50% da população de renda mais baixa detém, considerando o ano de 2020, apenas 12% do saldo da carteira de crédito.

No último triênio, a carteira de crédito per capita aumentou em todas as faixas de renda da população. Nas faixas de renda mais baixa e de renda mais alta o índice de crescimento foi o mesmo: 23%. Enquanto entre as pessoas com renda média a taxa encontrada foi de 26%.

Ainda de acordo com o documento, no fim de 2020, o saldo de crédito no país contabilizava R$ 258 bilhões para a população de baixa renda e mais de três vezes tendo em vista a população de renda média, a qual registrou saldo de R$ 914 bilhões. A discrepância se torna ainda mais alta quando se verifica que o saldo da carteira acumulado pelos 10% da população de renda mais alta, que chegou a aproximadamente R$ 1 trilhão. Ou seja, cerca de quatro vezes a carteira da baixa renda. Além disso, 1% das pessoas com renda alta têm saldo superior a toda a população de renda mais baixa que possui alguma operação de crédito, já que atingiu R$ 396 bilhões.

Já em relação às modalidades de crédito, o que se vê é que no estrato da população de baixa renda, o cartão de crédito à vista, parcelado e rotativo somam os maiores volumes. Para a fração de renda mais alta, no entanto, observa-se que as modalidades rural e agroindustrial despontam.

No que diz respeito à inadimplência, essa apresentou queda para todos os percentis da população em 2020, “como possível consequência da alta reestruturação de dívidas por conta da pandemia”, afirma o BC. Enquanto o comprometimento de renda, que mede o quanto deverá ser destinado a pagamento de juros e amortização de dívidas, diminuiu para os tomadores de crédito pessoa física no período observado.

Contudo, quando se olha para o endividamento, que é a relação entre o saldo total das dívidas e a renda anual do tomador de crédito, o comportamento foi um pouco diferente. Para as faixas de renda média e alta, o endividamento teve leve aumento, indo, de 2018 para 2020, de 54,91% para 58,29% e de 57,59% para 60,42%, respectivamente. Para os outros grupos, informa o BC, houve leve queda.

Veja também: O Impacto do Superendividamento na Economia Brasileira | Entrevista com Patrícia Cardoso

Educação como instrumento para a cidadania financeira

Na avaliação do BC, “a educação financeira é um processo que viabiliza que cidadãos melhorem a sua compreensão sobre produtos, conceitos e riscos financeiros. Nesse processo, eles devem desenvolver as habilidades e a confiança necessárias para fazerem escolhas conscientes, para saberem onde procurar ajuda e para realizarem outras ações efetivas que melhorem o seu bem-estar financeiro”. Nesse sentido, informação, instrução e aconselhamento são ferramentas fundamentais para a educação financeira e o consequente avanço da cidadania financeira no país.

Mas como anda a educação financeira no Brasil? Segundo o BC, a mensuração desse processo tem ocorrido por meio de diversos testes que buscam medir o que se chama de letramento financeiro da população. Esse pode ser compreendido como um dos resultados do processo de educação financeira, assim como a confiança e o bem-estar financeiro dos cidadãos.

Desse modo, tomando como base a pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que avalia conhecimento financeiro utilizando perguntas sobre inflação, juros e risco, o BC constatou que o letramento financeiro da população brasileira permanece baixo. De acordo com essa pesquisa, apenas um terço dos respondentes acertou todas as três perguntas. Esse quadro permaneceu inalterado entre 2017 e 2019, sendo a pergunta com maior percentual de acerto foi a que trata de juros.

Por outro lado, aponta o relatório, verificou-se melhora na nota do Brasil na avaliação de letramento financeiro do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2015 para 2018. Em 2018, o Brasil alcançou 420 pontos, significativamente maior que em 2015, quando a nota foi 393 pontos, a pior entre os avaliados naquela edição.

Porém, apesar da expressiva melhoria, alerta o BC, o desempenho do Brasil persiste estatisticamente inferior do que o dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que indica que ainda existe um longo caminho a ser percorrido no sentido de avançar no letramento financeiro da população.

Índice de Cidadania Financeira

Além de todas os aspectos e indicadores apresentados em seu relatório com o intuito de monitorar a cidadania financeira no Brasil, o BC utiliza ainda um indicador de abrangência nacional, batizado de Índice de Cidadania Financeira (ICF). Conforme disse, esse índice busca avaliar as principais características das diferentes dimensões da cidadania financeira e traduzi-las em uma escala numérica. “Trata-se de um indicador agregado, capaz de mostrar tendências gerais e de possibilitar a comparação entre unidades da Federação, identificando avanços e entraves em cada uma delas”. expõe.

Assim, o que se verifica é que as diferenças na cidadania financeira persistem pelo país. Conforme o relatório, o ICF nacional em 2020 foi de 45,1, contra 43,3 em 2017. Contudo, levando-se em conta a questão regional, percebe-se a discrepância com o Distrito Federal (75,6) e o estado de São Paulo (69,9) sendo as unidades da Federação com os melhores resultados. Além desses, todos os demais estados das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país obtiveram indicadores superiores à média nacional. Na região Nordeste, no entanto, apenas o estado de Sergipe (46,6) superou o indicador nacional. Por sua vez, a região Norte abrangeu os estados com os indicadores mais baixos de cidadania financeira (entre 15,3 e 27,7).

De olho no futuro

Por fim, direcionando o olhar para o futuro, o Relatório de Cidadania Financeira de 2021 destacou as inovações no setor, visto que a instituição considera que elas têm o potencial de transformar o modo como os serviços financeiros são oferecidos. Nesse sentido, observou-se que as IPs vêm ganhando peso na vida financeira dos brasileiros, com sua carteira de clientes saltando de 15 milhões em 2017 para 60 milhões em 2020.

Ao mesmo tempo, merecem atenção as fintechs de crédito, que podem impactar substancialmente a cidadania financeira especialmente na ampliação do acesso e uso das diversas modalidades de financiamento.

Além das instituições citadas, complementa o BC, inovações relacionadas ao ambiente regulatório e de pagamentos no país também trazem importantes implicações para a cidadania financeira. Entre elas o Open Banking, o Sandbox Regulatório e o Pix.

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