Tarifas de pagamentos em cartão: como o cenário atual do Reino Unido pode influenciar o Brasil?

A definição das taxas para pagamentos de cartões tem relação com a oferta de melhores serviços e preços. Por isso, a sua regulação vem sendo discutida e o caso inglês pode ser uma referência para o Brasil.
Tarifas de pagamentos em cartão: como o cenário atual do Reino Unido pode influenciar o Brasil?
Data
Autor
Amanda Stelitano
Produto
Compartilhar

Apesar de reguladores de diversos países terem tomado ações para gerar competição no setor de pagamentos, expandindo o número e perfil de agentes no mercado, diferentes movimentos normativos continuam a estudar formas de reduzir o custo de aceitação do cartão como meio de pagamento. No Brasil não é diferente. Desde 2010 estimulando a entrada de novos agentes no mercado, o Banco Central tem tido sucesso em promover competição, principalmente entre credenciadoras.

Apesar de a concentração bancária ainda ser alta, o BACEN também estimulou a competição entre emissores. Isso aparece no fenômeno do crescimento dos bancos digitais, que conseguiram viabilizar seus modelos de negócio após flexibilizações regulatórias do Banco Central. Ainda assim, o custo do cartão como meio de pagamento ainda é uma dor do empreendedor brasileiro. O motivo? O regulador britânico sugere que isso decorre da estruturação do mercado de bandeiras, razão pela qual é importante entender não apenas como as taxas no mercado são estruturadas, como também o que reguladores estrangeiros, em particular os britânicos, estão tentando modificar em suas regulações.

O custo de aceitar cartão como pagamento: a composição das taxas de desconto (MDR)

A taxa de desconto que é cobrada do lojista pelas empresas de maquininha tem como finalidade remunerar todos os agentes da cadeia de captura, processamento, autorização e liquidação do pagamento. Ou seja, apesar de ser a credenciadora quem cobra a taxa, ela fica com apenas uma parte dela (o Net-MDR). É apenas sobre tal parte que ela tem capacidade de negociação, sendo objeto de reduções em função da competição. O resto ela repassa para o emissor (banco ou fintech) e para a bandeira na figura das taxas de intercâmbio e de bandeira respectivamente, com ambas sendo definidas pela própria bandeira enquanto instituidora do arranjo de pagamentos.

Isso significa que, mesmo com ganhos de competição em credenciamento, não necessariamente há uma redução da taxa de desconto como um todo, já que esta pode ser compensada por aumentos nas outras taxas que compõem o total e dependem de definição da bandeira. Assim, nos últimos anos, o debate regulatório internacional tem se concentrado no problema regulatório associado às bandeiras, a fim de efetivamente alcançar uma redução do custo de aceitar cartões como meio de pagamento.

Alguns dos entendimentos iniciais de reguladores europeus e mesmo do Banco Central do Brasil apontaram para dificuldades associadas aos incentivos que bandeiras têm para estabelecer maiores taxas de intercâmbio, de forma a estimular que emissores as usem em seus cartões. Como essa tarifa não tem o seu preço formado numa relação tradicional de oferta e demanda, as bandeiras têm incentivo, na verdade, para aumentar as suas tarifas, como forma de gerar atratividade para que emissores as utilizem. Com maior competição entre os emissores, tal fenômeno poderia ainda se intensificar, já que estes estariam buscando novas formas de receita, além de redução de custos.

Percebendo a dificuldade de reduzir preços por meio de ganhos competitivos, os reguladores se movimentaram na direção de tetos para as taxas de intercâmbio, tanto para pagamentos em crédito como em débito (no Brasil, até o momento, essa regulação de preço teto se aplica apenas para o débito, embora em diversos países abarque ambas as modalidades de pagamentos).

Depois de um primeiro ciclo de avanço (com diversos paises adotando preço teto para enfrentar a distorção regulatória causada pela dinâmica dos preços de intercâmbio), na Europa, a discussão se aprofundou novamente em função dos desdobramentos do BREXIT. E o mesmo aconteceu no Brasil, sobretudo por conta da Consulta Pública do Banco Central, que prevê o estabelecimento de um teto para a taxa de intercâmbio dessa vez para a modalidade pré-pago.

Custo para aceitar pagamentos em cartão no Reino Unido: o cenário pós Brexit

Em outubro de 2021, alguns meses após a saída do Reino Unido da União Europeia e, consequentemente, da EEA, as bandeiras Visa e Mastercard aumentaram as taxas de intercâmbio entre transações transfronteiriças para os britânicos, uma vez que o Reino Unido não estava mais sob a legislação do Regulamento de Taxas de Intercâmbio (IFR) da EEA que impunha teto para essas taxas. Se, antes do BREXIT, as taxas eram de 0.2% para pagamentos em débito e 0.3% para crédito por conta do teto, após a saída passaram a ser de 1,15% e 1,5% respectivamente.

Logo após o movimento, o Regulador de Sistema de Pagamentos do Reino Unido (PSR) questionou as mudanças e a justificativa para pressionar um aumento tão significativo, uma vez que o cap estabelecido pela IFR ainda se mantém ativo para o comércio doméstico do país. Com isso, foi iniciada uma investigação com o objetivo de tornar a composição do MDR mais transparente, principalmente em dois pontos: critérios para definição das taxas de intercâmbio e das tarifas de bandeira.

No curso dessa investigação, o PSR concluiu preliminarmente em seu relatório que “os aumentos não foram explicados por mudanças no volume, valor ou mix de transações”. Entendeu que as duas bandeiras estavam exercendo poder de mercado para, com a queda do teto no Reino Unido, aumentar tarifas (tanto de bandeira, como de intercâmbio). A depender do resultado da investigação conduzida pela PSR, uma das soluções seria replicar os critérios do IFR também para as tarifas de bandeira e voltar com as derrubadas para o intercâmbio. Tal discussão, no entanto, ainda está em andamento.

Em um contexto em que tanto Reino Unido como Brasil estão discutindo custo de aceitar pagamentos em cartões (…), semelhanças sendo identificadas entre as discussões podem refletir em alguma influência no debate nacional.

As semelhanças entre Reino Unido e Brasil: O PSR pode influenciar o debate brasileiro?

Em um contexto em que tanto Reino Unido como Brasil estão discutindo custo de aceitar pagamentos em cartões e, considerando que os reguladores brasileiros têm um histórico de utilizar britânicos e união europeia como benchmark, semelhanças sendo identificadas entre as discussões podem refletir em alguma influência no debate nacional. Ainda mais considerando que esses foram exemplos de países usados de base para a regulação de taxas de intercâmbio existente no Brasil desde 2018.

Embora as discussões envolvam modalidades de pagamento diferentes, em contextos distintos, elas possuem um elemento de fundo comum: o questionamento de se o poder de mercado das bandeiras resultante da liberdade para definirem tanto tarifa de bandeira como taxas de intercâmbio não reguladas prejudica a competição, transparência, e eficiência do mercado. Esse ponto é fundamentalmente o mesmo em ambos os países e, portanto, os entendimentos e resultados das investigações do PSR sobre a definição dos elementos da taxa de desconto por parte das bandeiras tem uma possibilidade relevante de ser aplicável tanto para o debate da criação de equivalência na regulação do débito e do pré-pago, como a criação de um eventual teto também para tarifas de bandeira (não se podendo esquecer também de eventual aplicação para o segmento de crédito).

Amanda Stelitano é pesquisadora do Instituto Propague e mestranda em Economia Política Internacional pela UFRJ.

Veja também:

Pix: do sucesso nacional ao interesse internacional

Pix e cartões têm novas funcionalidades. Saiba qual é o futuro dos pagamentos no Brasil

Novas tecnologias são o foco da regulação financeira do futuro?

O que é criptomoeda: como funciona e por que alcançou popularidade nas finanças

Todos os produtos

Quer se
aprofundar mais?

Com uma linguagem simples de entender, as análises do Instituto Propague vão te deixar por dentro dos principais temas do mercado.

Leia agora!