Apesar de ter acelerado nos últimos anos, em especial desde a pandemia, o processo de digitalização da sociedade já está em andamento há algumas décadas. Essa realidade é notável pelo fato da primeira geração nativa digital, a Geração Z, já estar no mercado de trabalho e influenciando as dinâmicas de consumo. Uma característica constantemente atribuída a eles e por terem crescido na era digital é a falta de lealdade a marcas.
Mas será que isso é verdade? Não exatamente. Os jovens da era digital até trocam de marcas, emprego e por aí vai com mais facilidade, mas reter esses consumidores é possível e eles têm sido bastante vocais sobre suas prioridades. Cabe às empresas ouvir.
Os hábitos de consumo dos jovens na era digital: lealdade a… ninguém?
Não é difícil encontrar matérias nos jornais e relatórios de consultoria sobre como os jovens nascidos na era digital são menos propensos a lealdade de marca e ver esse fenômeno atribuído à facilidade de busca e comparação por canais digitais, especialmente redes sociais.
A PWC, por exemplo, publicou uma pesquisa em 2022 que identificou que 39% dos entrevistados da Geração Z eram propensos a trocar de marcas frente a apenas 19% dos Boomers nos EUA. Ainda, 32% pararam de consumir pelo menos uma marca ao longo do ano anterior, em comparação com 23% dos Boomers e 27% da Geração X e dos Millenials.
No Brasil, a diferença existe, mas é menos perceptível: enquanto 64% dos brasileiros entrevistados em pesquisa encomendada pela Google não possuem fidelidade a marcas para compras de bens de consumo, o mesmo dado para a Geração Z é de 65%. A diferença é um pouco maior quando a pergunta é se a marca é um fator importante para a decisão de compra: 10% dos jovens nativos digitais disseram que não, acima da média de 7%. Assim, vale dizer que o comportamento geracional tem diferenças importantes entre países e o mesmo provavelmente é verdade se forem feitos recortes de renda, gênero e raça.
Além da lealdade enquanto cliente, a Geração Z também tem sido questionada no mercado de trabalho: uma pesquisa da Microsoft, por exemplo, revelou que 52% consideravam mudar de emprego e 82% são mais propensos a acompanhar outras oportunidades de forma recorrente. O número que chama atenção, no entanto, é que 73% dos que consideram trocar de emprego permaneceriam se fosse mais fácil mudar de função internamente.
A pesquisa da Microsoft traz o que acredito ser o questionamento mais interessante sobre o tema. Não é o fato de que os nascidos na era digital com todos os recursos para pesquisar alternativas a mão são mais propensos a trocar de marcas e trabalho. O mais interessante é o que está por trás: a percepção da Geração Z de que suas prioridades e as das marcas e empresas não estão alinhadas.
Eles não “trocam por trocar”. A transformação digital na qual nasceram e cresceram tornou o ato da troca mais fácil, sim, mas eles a executam por não sentir suas prioridades representadas. E o segredo para mantê-los pode estar em ouvir quais são elas.
Geração Z é vocal sobre suas prioridades: o caminho para retenção pode ser escutar
Assim, mais relevante que o fato de trocar mais facilmente de marcas é o que faz os nativos da era digital ficarem. E um ponto central que aparece em múltiplas pesquisas com múltiplos recortes regionais é a ideia de propósito: a Geração Z se diferencia por associar consumo e trabalho a um alinhamento com crenças pessoais.
O estudo “Edelman Trust Barometer 2022: A Nova Dinâmica da Influência”, que cobriu o Brasil e mais 13 países, identificou que jovens da geração nascida na era digital direcionam o consumo a partir das suas convicções pessoais. Nesta faixa etária – que vai dos 16 aos 26 – 73% escolhem marcas a partir de uma lógica de ativismo. No Brasil, o resultado foi de 67%. As causas que apoiam podem variar; o que têm em comum é a decisão ser baseada no alinhamento entre o posicionamento da marca e o deles.
O que faz essa geração ficar, portanto, não é só melhores preços e maior qualidade. Oferecer isso não garante mais a fidelização do cliente ou do profissional e, enquanto as marcas operarem nessa lógica, continuarão identificando esse fenômeno de “troca troca”.
Ainda assim, algumas causas específicas chamam atenção, como a ambiental e a social. Um relatório do Bank of America sobre os EUA identificou que há um padrão de considerar aspectos ESG na hora da escolha e ser exigente sobre os padrões necessários para atendê-los, por exemplo. Saindo dos EUA, a McKinsey traz exemplos desse comportamento na China, onde encontrou que metade dos entrevistados da Geração Z reduziram ou cortaram o consumo de fast fashion por preocupações ambientais.
O que faz essa geração ficar, portanto, não é só melhores preços e maior qualidade. Oferecer isso não garante mais a fidelização do cliente ou do profissional e, enquanto as marcas operarem nessa lógica, continuarão identificando esse fenômeno de “troca troca”.
Os jovens da era digital querem identificação: o estudo da Edelman mostrou que 62% estão dispostos a atuar ao lado das marcas para alcançar este objetivo e que 72% comprarão com elas mesmo se não forem tão baratas uma vez que ela for criada. A média global do mesmo fenômeno é 58%. No Brasil, o resultado é ainda mais destacado: 78% da Geração Z em comparação com 61% da média do país.
E não é diferente no mercado de trabalho: a Geração Z prioriza saúde mental e qualidade de vida para além de retorno monetário: o estudo da Microsoft já mencionado identificou que mais da metade do envolvimento dos funcionários deste grupo vem de reconhecimento não financeiro. Não que o salário tenha deixado de ser um fator decisivo, a questão é que ele precisa ser acompanhado de responsabilidade social, ambiental e reconhecimento.
Assim, os jovens da era digital não são inerentemente menos leais a marcas: eles são mais exigentes e estão mudando as prioridades de decisão. Retê-los vai demandar pensar para além de preço e qualidade. E eles estão dispostos a ajudar no processo.
Bruna Cataldo é pesquisadora do Instituto Propague e doutoranda em economia pela UFF.
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