Educação financeira será a bola da vez na agenda do BCB?

Educação financeira em foco: a digitalização está transformando o setor e aumentando a inclusão. A expectativa é que o Banco Central aposte mais na agenda de Cidadania Financeira.
Educação financeira será a bola da vez na agenda do BCB
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Morgana Tolentino
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Desde o lançamento do Pix, a inclusão financeira virou tema preferido nas discussões públicas brasileiras. O sucesso da plataforma lançada pelo Banco Central chamou atenção não só para o resultado, mas para a relevância do tema.

A pauta, no entanto, não é destaque só no Brasil, nem de hoje: na última década, diversas autoridades nacionais e internacionais têm publicado sobre variados aspectos da cidadania financeira, tanto inclusão como educação financeira, mas com foco maior na primeira. Os avanços, no entanto, indicam que já está na hora de trazer a educação financeira para o mesmo holofote. No caso do Brasil, o Banco Central já caminha nessa direção.

Da inclusão à educação financeira: cidadania financeira na última década

A atenção inicial em inclusão em relação à educação financeira era justificada: ambas estão relacionadas com a ausência de um letramento financeiro robusto de quem sequer tem acesso a produtos e serviços financeiros. Assim, a inclusão é o primeiro passo da jornada até a cidadania financeira plena, dado que o elevado número de pessoas sem qualquer acesso ao sistema financeiro é uma barreira impeditiva ao desenvolvimento de ações de educação financeira. Ambos podem ser estimulados de forma paralela e concomitante, mas a inclusão financeira é naturalmente uma etapa necessária para a evolução para o segundo passo.

Nesse sentido, em 2011 apenas cerca de metade da população mundial tinha conta em banco ou outra instituição financeira, com o percentual do Brasil sendo 56%, segundo dados do  Global Findex do Banco Mundial. Assim, a inclusão financeira ocupou o centro do debate de cidadania financeira na última década. Agora, os frutos estão sendo colhidos. No Global Findex de 2021, o nível de bancarizados subiu para cerca de 75% na média global, com destaque para expansão no uso de pagamentos digitais.

Nos países emergentes, por exemplo, a porcentagem de adultos que fizeram ou receberam um pagamento digital cresceu de 35% em 2014 para 57% em 2021. No Brasil, o BCB estima que cerca de 45 milhões de pessoas tenham sido incluídas financeiramente através do Pix. Assim, a etapa de inclusão vem avançando a largos passos desde a aceleração do fenômeno da digitalização, em especial dos pagamentos. Tais avanços, contudo, não agem em outros aspectos da cidadania financeira.

Eles trazem a população para o sistema, mas não garantem uma navegação tranquila por meio dele. Não garantem, por exemplo, adesão a produtos mais complexos e não orientam o entendimento necessário para que tomadas de decisão sejam compatíveis com melhora da saúde financeira. Isso depende do grau de educação financeira da população.

No limite, a baixa educação financeira de uma população recém incluída no sistema pode ser fator chave para um cenário preocupante de superendividamento.

No limite, a baixa educação financeira de uma população recém incluída no sistema pode ser fator chave para um cenário preocupante de superendividamento. Ciente disso, o Banco Central parece se mover para colocar a discussão de educação financeira como prioridade da agenda de cidadania financeira dos próximos anos.

Educação financeira sob holofotes nos próximos anos

Se o grande movimento de inclusão financeira acelerado pela digitalização já aumentaria naturalmente a importância da pauta da educação financeira, o baixo letramento financeiro do brasileiro que já participava do sistema dá um senso de urgência ainda maior para o tema.

No ranking global de letramento financeiro da S&P Finlit Survey, por exemplo, ficamos entre os 70 piores de um total de mais de 140 países, atrás de Madagascar e Togo, por exemplo. Em pesquisa nacional promovida pela ANBIMA entre 2017 e 2019, menos de 30% dos respondentes obteve nota máxima ao responder sobre temas básicos como inflação, juros e risco.

É verdade que a educação financeira já figura na agenda de trabalhos do Banco Central há algum tempo sendo, inclusive, um dos pilares da Agenda BC# desde 2019. A autarquia já vem promovendo projetos como a produção de cartilhas, cursos e diretrizes de melhores práticas indicando como as instituições financeiras devem promover educação financeira, sobretudo quando se trata de apresentar novos serviços aos clientes.

As iniciativas do BCB, no entanto, parecem ainda insuficientes diante do panorama apresentado, o que também é um indício de que o tema precisará estar sob os holofotes da agenda de cidadania financeira nos próximos anos. No entanto, desenvolver a educação financeira em um país continental e tão heterogêneo como o Brasil não é fácil.

Diante do histórico de atuação do BCB, a tendência é que se adote uma estratégia mista, com parte das iniciativas internalizadas pelo órgão de regulação financeira e parte designada às instituições participantes do SFN. Esse caminho, inclusive, já parece estar sendo iniciado, dado que houve uma expansão do projeto “Aprender Valor” desenvolvido internamente em meio à publicação do Comunicado nº 34.201, que destaca a necessidade de as instituições financeiras assumirem a responsabilidade pela educação financeira de seus clientes.

Ainda temos que esperar para ver o quanto essas iniciativas serão aprofundadas e se o Banco Central vai ou não desenvolver novas estratégias. Fato é que a bola claramente já está em jogo e a educação financeira é uma agenda que veio para ficar e crescer.

 

Morgana Tolentino é pesquisadora do Instituto Propague e mestra em Economia pela UERJ.

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