A chegada do 5G no Brasil e inclusão financeira: por que o caminho é mais complicado do que parece?

A chegada do 5G no Brasil tem sido uma notícia há muito tempo esperada. A expectativa de melhor experiência do usuário extrapola a pessoa física e os benefícios são muitos no setor financeiro. Ainda assim, a caminhada será longa para ultrapassar os obstáculos da exclusão digital no país.
A chegada do 5G no Brasil e inclusão financeira: por que o caminho é mais complicado do que parece?
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Equipe Propague
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O 5G chegou ao Brasil em julho e as expectativas para seu futuro já são grandes. A operação começou em Brasília e já avançou para cidades como Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre e João Pessoa, com previsão para disponibilidade em todas as capitais até o fim de setembro. O mercado financeiro, em específico, tem visto o avanço do 5G como uma grande oportunidade para desenvolver novos produtos e promover inclusão financeira.

Apesar de promissor, entre o 5G e seu papel como indutor de inclusão financeira, existe um caminho grande de inclusão digital e obstáculos que precisam ser reconhecidos para que se possa pensar nas melhores formas de resolvê-los, para dar ao público a oportunidade de cobrar pela definição de prioridades nessa direção.

As promessas do 5G no Brasil

Para entender melhor o caminho a ser percorrido, é preciso entender o que está sendo prometido. O 5G é uma evolução da tecnologia de transmissão de dados móveis de baixa latência e está associada a múltiplos benefícios, mas 4 grandes grupos de destacam: redução no tempo de resposta, maior velocidade, maior quantidade de aparelhos conectados e maior estabilidade.

A redução no tempo de resposta é justamente a redução da latência; ou seja, leva menos tempo para que os dados sejam processados e cheguem ao equipamento. Assim, o 5G promete uma melhora considerável na experiência do usuário em aplicações como vídeo chamadas e jogos. O primeiro tem a ver com o famoso delay entre uma pessoa falar e a outra ouvir. Com o 5G, ele deve diminuir consideravelmente.

Reuniões de trabalho e aulas à distância, por exemplo, tendem a ter um grande ganho de qualidade. Já no mundo dos games, a promessa é de que haja um menor tempo de resposta entre o jogador fazer o comando e a execução dele na tela, permitindo uma experiência mais imersiva. Para entender quão significativa pode ser a adoção do 5G no Brasil em termos de tempo de resposta, vale comparar com o 4G: enquanto neste último o tempo de resposta é de 80 milissegundos, no 5G esse tempo cai para 4 milissegundos, podendo inclusive chegar a 1.

Além de ter um menor tempo de resposta, o 5G tem potencial para ser até 20 vezes mais rápido. Para o consumidor, isso significa conseguir baixar filmes e séries em menos tempo. Acompanhada do menor tempo de resposta, a maior velocidade pode tornar as experiências destacadas ainda melhores.

Ainda existe uma expectativa de que a chegada do 5G no Brasil aumente o número de aparelhos que podem ser conectados à rede por quilômetro quadrado. Quem frequenta locais muito cheios já deve ter tido dificuldade de utilizar internet móvel. Carnaval, Ano-Novo, estádios lotados, festivais de música: em todos esses lugares é comum a internet oscilar, ficar lenta ou ainda cair. O motivo é uma limitação do  4G: ele só consegue conectar até 10 mil dispositivos por quilômetro quadrado, enquanto o 5G  tem potencial para conectar 1 milhão. Assim, há uma promessa de melhor conectividade, com mais estabilidade, nos mais diversos espaços.

É justificado, portanto, o ânimo com a entrada do 5G no Brasil, ver o evento como uma grande oportunidade para aumentar eficiência, reduzir custos, desenvolver aplicações mais complexas e alcançar mais pessoas, já que o processo de leilão estabeleceu a expansão da rede atual.

O potencial do 5G no sistema financeiro: um caminho para inclusão financeira

O sistema financeiro vem se destacando em termos de desenvolvimento de inovações há anos, com o período da pandemia tendo acelerado esse processo. A chegada do 5G no Brasil é vista como uma forma de dar continuidade a tal tendência e ainda elevá-la. A ideia é aproveitar o menor tempo de resposta, maior velocidade e maior estabilidade para melhorar a experiência dos usuários e aumentar o alcance enquanto reduz custos.

Com relação à jornada do consumidor, as aplicações que vêm ganhando destaque são focadas em coleta/gestão de dados, internet das coisas e cyber segurança. O esperado é que sejam desenvolvidas plataformas mais rápidas, estáveis, capazes de absorver os mais variados tipos de funcionalidade sem perder performance, que operem nos mais variados tipos de aparelho digital móvel, que consigam operar com sistemas antifraude complexos e que garantam um alto grau de personalização na experiência do usuário. Tudo isso resultando em um sistema mais eficiente e barato para as empresas, e mais proveitoso para o cliente.

Esse ponto em si já tem sido visto por muitos como uma forma de contribuição, pelo menos indireta, para a inclusão financeira, já que produtos potencialmente mais baratos e mais personalizados para variados perfis de clientes seriam, em teoria, mais acessíveis. Ainda assim, a discussão do potencial do 5G em aumentar a inclusão financeira tem sido mais associada à oportunidade que a expansão da rede para locais anteriormente excluídos em termos de infraestrutura de telecomunicações representa.

As condições estabelecidas no leilão do 5G no Brasil especificam que a rede deve chegar aonde o 4G não está disponível. Quando isso ocorrer, instituições poderão passar a atuar em locais em que antes consideravam muito caro construir a estrutura física de uma agência e inviável oferecer os serviços digitais adequadamente por problemas de infraestrutura de telecomunicações.

Uma sugestão que tem chamado atenção nessa direção é a de atendimento com gerentes ao vivo por meio de videochamada. A capacidade de incluir esse tipo de funcionalidade em aplicativos financeiros depende do 5G. Esse tipo de solução teria o potencial de atender a um grupo de clientes antes inacessível.

Basicamente, a ideia é que, por levar infraestrutura para locais antes marginalizados digitalmente (e por criar condições para desenvolver e amadurecer a oferta de serviços que já nasce digital), a chegada do 5G no Brasil representaria uma enorme oportunidade para melhorar a inclusão financeira do país. Apesar de haver elementos suficientes para concordar com esse tipo de análise, há a necessidade de complementá-la com algumas nuances que podem ficar perdidas nesse início de implementação.

Transformador quando? E para quem? Os obstáculos do 5G no Brasil

O primeiro obstáculo que precisa ser levado em conta na hora de ajustar as expectativas de o 5G influenciar fortemente a inclusão financeira é o tempo de implementação do projeto. Apesar de todas as capitais estarem previstas para receber a tecnologia em setembro de 2022, o prazo original era julho e outras cidades estão divididas em um cronograma da ANATEL que vai até julho de 2028.

Além do longo calendário, a verdade é que a grande maioria das cidades não está preparada nem do ponto de vista jurídico para receber a tecnologia:  até o fim de junho de 2022, pouco mais de 1% dos municípios brasileiros tinham atualizado a legislação para que seja possível fazer a instalação das antenas de transmissão do 5G, segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações (Abrintel). Ainda há limitações como a dificuldade de as operadoras terem  o material para fazer as instalações devido à quebra de cadeias globais associadas às restrições sanitárias na China por conta da pandemia.

Olhando para as dificuldades de implementação, o razoável é esperar que leve tempo até o 5G ser massificado o suficiente para suas aplicações de fato chegarem no público que precisa ser inserido no sistema financeiro. Ainda mais considerando que a tecnologia deve demorar mais para chegar justamente no público que precisa ser incluído no sistema financeiro.

Segundo resultados do livro “Inclusão financeira e o perfil dos excluídos no Brasil”, dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) sugerem que a exclusão financeira no Brasil é correlacionada a fatores como baixa renda, baixa escolaridade, raça e gênero. A título de exemplo, é apontado que uma pessoa com ensino superior tem um diferencial de chance de 37 p.p em relação a alguém sem escolaridade, controlando para outros fatores como renda, raça e gênero.

Ainda, o estudo “Abismo digital no Brasil”, do Instituto Locomotiva com a PWC, mostra que a maioria dos quase 34 milhões de brasileiros desconectados ー número que aumenta para 72 milhões se considerarmos os subconectados ー estão nas regiões Norte e Nordeste que, no Relatório de Cidadania Financeira do Banco Central, possuem indicadores de cidadania financeira mais baixos.

Assim, para as aplicações de 5G promoverem inclusão financeira, elas precisarão chegar especificamente a essas pessoas e isto não será fácil. Além da questão da demora para a implementação, o preço dos aparelhos que operam em 5G ainda são altos, partindo de R$ 1,5 mil e podendo passar de R$ 10 mil. Apesar da ampla penetração do smartphone entre o público das classes C, D e E, o atual cenário econômico de perda de poder de compra pode dificultar tal adesão a aparelhos compatíveis.

É esse tipo de dificuldade, de aqueles que precisamos incluir financeiramente serem justamente para quem o 5G deve demorar mais para chegar, que precisa ser levado em conta para que haja cobranças.

Soma-se a isso que, mesmo em cidades onde o 5G já chegou, ainda há diferenças de conexão. Em Brasília, por exemplo, justamente as localidades mais afastadas e pobres estão com mais instabilidade. Assim, as novas funcionalidades que poderiam atender esse público não terão como fazê-lo.  É esse tipo de dificuldade, de aqueles que precisamos incluir financeiramente serem justamente para quem o 5G deve demorar mais para chegar, que precisa ser levado em conta para que haja cobranças.

Conseguir conectar essas pessoas pode representar um grande avanço para inclusão digital, social e financeira e os números de pessoas subconectadas ou desconectadas deixam claro o potencial da chegada do 5G no Brasil. Para realizar esse potencial, no entanto, é preciso garantir que esses 72 milhões de brasileiros não sejam deixados para trás, havendo cobrança para que o aumento esperado no faturamento devido ao fôlego que o 5G deve ganhar nos grandes centros seja revertido para uma expansão que promova a inclusão, não a desigualdade digital.

 

Bruna Cataldo é pesquisadora do Instituto Propague e doutoranda em economia pela UFF.

 

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