Whatsapp Pay: o que esperar após autorização do BC

O WhatsApp Pay recebeu aval dos reguladores para começar a operar no Brasil. Iniciativa emula a experiência do WeChat Pay, mas diferentes contextos afetam o potencial de adesão.
Data
Autor
Joana Vaccarezza, pesquisadora do Instituto Propague
Produto
Compartilhar

O WhatsApp Pay deverá se tornar realidade nas próximas semanas, segundo a Mastercard informou à Reuters.

No dia 30 de março, o Banco Central autorizou a Facebook Pagamentos do Brasil Ltda., controlada por Mark Zuckerberg, como instituição iniciadora de transações de pagamentos. Com esse aval, o WhatsApp, pertencente ao grupo Facebook, poderá oferecer o serviço de transferências financeiras entre pares dentro do próprio aplicativo.

Os detalhes sobre o novo serviço ainda não foram divulgados, mas o que se sabe é que assim como o Pix, as transferências pelo app de conversas deverão ser gratuitas e estarão disponíveis aos usuários a qualquer momento. Para utilizar o serviço, os usuários deverão cadastrar um cartão de débito ou um cartão pré-pago, que serão utilizados para debitar e receber transferências diretamente em suas contas.

O WhatsApp Pay funcionará como uma carteira digital, a exemplo de outras como Google Pay, Samsung Pay, Paypal e PicPay. Porém, enquanto a maior parte dessas carteiras está voltada a pagamentos de bens e serviços, o WhatsApp estará limitado a transferências entre pessoas físicas cadastradas no aplicativo.

Por enquanto, compõem o arranjo com o WhatsApp as duas bandeiras, Visa e Mastercard, a credenciadora Cielo, e as instituições emissoras Banco do Brasil, Nubank e Sicredi.

O Brasil é o segundo país a receber o WhatsApp Pay. Na Índia, o serviço foi lançado oficialmente em novembro de 2020, e é integrado ao sistema de pagamentos instantâneos UPI – similar ao Pix brasileiro. Os pagamentos pelo WhatsApp foram iniciados no Brasil ainda em junho de 2020, mas o Banco Central suspendeu a operação à época, permitindo apenas a realização de testes.

Como funciona o iniciador de pagamentos?

Em outubro de 2020, o Banco Central regulamentou a instituição de iniciador de transação de pagamentos, também conhecido como PISP, da expressão em inglês payments initiation service provider.

Quando o usuário registra o pedido para enviar um pagamento, a instituição iniciadora de pagamentos envia um comando para que os fundos sejam debitados da conta do pagador e creditados na conta do recebedor. Isto é feito através de interfaces de programação que estabelecem o contato entre o iniciador de pagamentos e a instituição provedora de contas.

O PISP não tem acesso às contas bancárias dos clientes, nem faz parte do fluxo financeiro envolvido na transação, mas simplesmente envia mensagens para as instituições financeiras no arranjo de pagamentos.

No caso do WhatsApp Pay no Brasil, que utilizará a infraestrutura das bandeiras de cartão Visa e Mastercard, quem processará as transações é a credenciadora, enquanto o WhatsApp terá a função de autenticar os usuários a cada pagamento iniciado.

A iniciação de pagamentos é viabilizada por parcerias entre instituições financeiras e os provedores de serviços de pagamentos. O mercado poderá explorar a sinergia entre essa modalidade e outras iniciativas do Banco Central – especialmente a interoperabilidade com o Pix e o compartilhamento do Open Banking.

A terceira fase do Open Banking, que deve ter início em 30 de agosto de 2021, será destinada ao compartilhamento de dados para iniciação de pagamentos. Com isso, os principais bancos e instituições de pagamentos deverão disponibilizar APIs abertas que permitam a iniciação de pagamentos por terceiros autorizados pelo BC.

| Confira mais sobre o PISP no podcast PISP: a nova modalidade de pagamento

O WhatsApp Pay será o novo Wechat?

A ideia de juntar serviço de pagamentos às redes sociais não é nova. O caso mais emblemático é o chinês Wechat Pay. Assim como o WhatsApp, o Wechat surgiu como um aplicativo de mensagens em 2009, mas desde então se tornou um “super app”, com uma variedade de funções disponíveis aos usuários em uma só plataforma.

Lançado em 2013, o Wechat Pay explora a sinergia de valor entre a rede de contatos da rede social e a possibilidade de realizar transferências para esses mesmos contatos em um único lugar, sem sair do app. Inclusive, inicialmente ganhou adesão do público com uma campanha que digitalizou uma antiga tradição de Ano Novo Chinês: enviar dinheiro em envelopes vermelhos para familiares e amigos.

Aaron Klein, do think tank americano Brookings, relata como o escopo e oportunidades de uso dos pagamentos pelo Wechat foram crescendo ao longo do tempo. Inicialmente voltado às transferências entre pessoas, o WeChat passou a ser utilizado por pequenos comerciantes e prestadores de serviços, que têm uma experiência de uso próxima entre negócios e a conta pessoal. Já os pagamentos offline por QR Code viabilizam o uso do app como método de pagamento em uma variedade de cenários – corridas de táxi, lojas, restaurantes, estacionamentos, etc.

Devido à conveniência e baixo custo relativo a outros meios de pagamentos, os pagamentos pelo celular – mobile payments – se tornaram um dos principais métodos de pagamento na China, substituindo o uso do dinheiro vivo. Segundo o Bank for International Settlements (BIS), 16% do PIB chinês passa por pagamentos em plataformas digitais como o Wechat e o Alipay.

O Wechat atingiu 1,15 bilhões de usuários ativos por mês em 2019, segundo a Xinhua, e é o segundo maior provedor de pagamentos por aplicativos na China, com 39% do market share. O Wechat Pay fica apenas atrás do Alipay, associado à gigante do e-commerce Alibaba. Juntos, Alipay e WeChat Pay dominam 94% dos pagamentos via celular na China.

Expectativas para o WhatsApp Pay

O caso do Wechat Pay sugere que outras iniciativas similares, como o WhatsApp Pay, têm um imenso potencial. Muitos fatores influenciam a velocidade de adesão a um serviço, mas a experiência internacional de pagamentos digitais mostra que há dois grupos de determinantes fundamentais: por um lado, quão variadas são as possibilidades de uso para o serviço; de outro, como o mercado atual supre as demandas existentes.

No caso brasileiro, o rápido avanço do Pix sobre outras formas de transferências entre pares, como TED e DOC, mostrou que existe uma grande demanda por maior conveniência nesse tipo de serviço e que os brasileiros estão abertos a experimentar novos formatos.

Além disso, um fato que pode contribuir para a adesão ao serviço de pagamentos do Whatsapp é a alta penetração do aplicativo entre os brasileiros. Há cerca de 120 milhões de usuários, o que significa que o aplicativo é utilizado em um a cada dois smartphones no Brasil. Isto é relevante não apenas pela quantidade de usuários potenciais em si, mas pela familiaridade do público com a interface do aplicativo.

Ainda assim, o WhatsApp terá que mostrar o valor do seu serviço de pagamentos em relação ao Pix e aos outros arranjos de pagamentos eletrônicos já existentes no mercado.

Na Índia, a base de 500 milhões de usuários ativos no WhatsApp ainda não foi suficiente para colocar o app no topo dos serviços de pagamentos digitais mais usados. Conforme aponta uma reportagem da Financial Express, um dos problemas pode ter sido justamente a limitação do uso às transferências de pessoa a pessoa, enquanto outros serviços de pagamentos oferecem uma gama de casos de usos mais variada, incluindo pagamentos de vendas online e offline.

No Brasil, pelo menos no início das operações, o Whatsapp Pay também terá o escopo de uso limitado às transferências entre pessoas. Segundo informou à Reuters o presidente da Mastercard Brasil e Cone Sul, o WhatsApp Pay pretende se apresentar como uma opção tão conveniente quanto o Pix, porém mais segura, destacando-se a possibilidade de estorno das transações suspeitas – algo que ainda não é possível no arranjo do Banco Central.

Contudo, mesmo com o desenvolvimento de ferramentas para garantir a segurança dos pagamentos no WhatsApp, convencer o público de que é seguro realizar transferências no app pode ser uma tarefa difícil. Afinal, apenas em 2020 mais de 5 milhões de brasileiros tiveram suas contas no WhatsApp clonadas, segundo a Agência Brasil.

Riscos envolvidos no WhatsApp Pay

No futuro, o objetivo da rede social é viabilizar também pagamentos para as contas empresariais. Nas lojas físicas, o WhatsApp Pay competirá não só com outras carteiras digitais (inclusive algumas vinculadas às próprias cadeias do comércio, como Ame e Magalu Pay), mas também com os cartões, que têm cada vez mais adesão e ganharam mais conveniência com os pagamentos por aproximação.

É talvez no e-commerce que o WhatsApp Pay apresentará a maior vantagem competitiva enquanto serviço de pagamento. Com a autorização para iniciar transferências P2M (consumidores a comerciantes) pela carteira digital Facebook Pay, os produtos Facebook (que incluem WhatsApp, Facebook, Messenger e Instagram) ganharão conveniência enquanto marketplaces, pois será possível realizar todas as etapas da compra no aplicativo.

Hoje, o pagamento de compras realizadas pelas redes sociais precisa ser feito em outro lugar, seja por um link de pagamento, seja fazendo uma transferência pelo app do banco. Com o pagamento dentro do app, se reduzem fricções para a conversão em vendas, o que pode atrair os comerciantes.

Do ponto de vista dos consumidores, o que realmente chama a atenção e deverá ser observado é o acesso e uso dos dados pessoais por parte da plataforma digital. A integração do serviço de pagamentos à rede social dará ao grupo Facebook um acesso ainda maior a informações sobre os usuários, inclusive seu comportamento, interesses e poder aquisitivo. Estudos sobre a atuação de Big Techs no sistema financeiro mostram que é principalmente pela exploração dos dados que as empresas de tecnologia ganham vantagens competitivas com relação às outras empresas do setor.

| Para entender mais sobre os potenciais e riscos das grandes empresas de tecnologia no sistema financeiro, leia também: Big tech sob a mira dos reguladores – Ant, Facebook e mais

Todos os produtos

Quer se
aprofundar mais?

Com uma linguagem simples de entender, as análises do Instituto Propague vão te deixar por dentro dos principais temas do mercado.

Leia agora!