Stablecoins no foco da MiCA: excesso de restrições incomoda o mercado

Stablecoins entram na mira da regulação e as restrições previstas pelo MiCA têm incomodado o mercado de criptoativos. Entenda o que está em jogo!
Stablecoins no foco da MiCA: excesso de restrições incomoda o mercado
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Morgana Tolentino
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O mercado de criptoativos vem crescendo bastante na última década, com forte progresso  nos anos recentes, acompanhando a intensificação do processo de  digitalização da economia em geral e das finanças em especial. Contudo, serviços financeiros desregulamentados oferecem uma série de riscos que vão desde questões de proteção ao investidor, até o risco sistêmico, o que tem levado diversas jurisdições ao redor do mundo a discutir a regulamentação do mercado cripto.

Nesse sentido, autoridades monetárias europeias discutem, desde 2018, um novo marco legal para o mercado em um projeto conhecido pela sua sigla em inglês: MiCA. A proposta se encontra em estágio final de votação no Parlamento Europeu e um dos pontos mais polêmicos é o regramento específico para stablecoins, considerado excessivamente restritivo por agentes do mercado, mas especialmente relevante para as autoridades no que diz respeito à estabilidade financeira e à soberania monetária.

MiCA: um marco regulatório para criptoativos na União Europeia

O regramento do mercado de criptoativos tem sido um dos principais desafios para as autoridades financeiras nos últimos anos porque exige uma compreensão mais depurada das categorias desses ativos, de como a população os usa, de quais riscos específicos cada categoria oferece, e quais autoridades serão responsáveis pela fiscalização. A questão se torna ainda mais complexa pela necessidade de uma forte cooperação internacional dada a característica transfronteiriça do mercado.

Não à toa os debates sobre marcos legais para criptoativos estão levando anos, com o processo da própria MiCA tendo sido iniciado em 2018. Desde então, o projeto evoluiu e, ao que tudo indica, o texto final para o marco legal de mercados de critptoativos na União Europeia será aprovado ainda em 2022 (o texto já passou na Comissão Europeia e está em fase final de votação no Parlamento Europeu).  A redação atual, contudo, não agrada a todos e um dos pontos mais controversos se refere ao regramento para stablecoins.

Como a MiCA endereça os riscos associados às stablecoins?

Stablecoins são criptomoedas que prometem mais estabilidade de preço por serem lastreadas em outros ativos financeiros, principalmente moedas fiduciárias. Essa suposta estabilidade já vinha sendo questionada por diversas autoridades e o colapso da stablecoin Terra/LUNA em meados de 2022 confirmou de vez essa desconfiança, levando a uma perda na casa de bilhões de dólares no universo das criptomoedas “estáveis”.

A MiCA divide stablecoins em duas categorias: tokens de moeda eletrônica (electronic money token ou e-money token), que buscam manter a estabilidade de preço baseada em uma única moeda fiduciária; e tokens referenciados em ativos (ART, na sigla em inglês), baseadas em qualquer outro ativo financeiro, ou combinação de ativos financeiros, o que pode incluir uma cesta de moedas oficiais.

Além de definir que todos os emissores deverão ser registrados, a MiCA propõe que, enquanto os demais criptoativos estejam sob o guarda-chuva da autoridade europeia de valores mobiliários (ESMA), as “principais” stablecoins devem estar sob o jugo da autoridade bancária europeia (EBA) permitindo, ainda, que os bancos centrais nacionais peçam a retirada de circulação de stablecoins que considerem especialmente perigosas para a soberania monetária.

Porém, a parte polêmica do texto reside nas limitações impostas a esses ativos. No caso dos tokens de moeda eletrônica, os fundos devem ser garantidos para que os detentores possam resgatar o valor de seus tokens na moeda fiduciária lastreada a qualquer momento. Também será exigido o cumprimento de regras prudenciais rigorosas e não será permitido o pagamento de juros aos detentores dos e-money tokens.

Enquanto isso, os ARTs são considerados especialmente voláteis e, portanto, uma grande ameaça para a soberania monetária. Por isso, além da exigência de registro das entidades emissoras, a proposta regulatória também traz uma forte limitação ao seu uso, controlando o volume de transações, bem como os valores totais transacionados.

Da forma como o texto está redigido hoje, um ART deve estar limitado a movimentar 200 milhões de euros em transações por dia e não ultrapassar o limite máximo de 1 milhão de transações diárias. Essas limitações também se aplicam a tokens de moeda eletrônica lastreados em outra moeda fiduciária que não o Euro.

A proposta, contudo, gera inquietações no mercado, principalmente quanto às restrições de volume e valores movimentados.

A ideia da nova legislação é estimular o uso de stablecoins lastreadas em euro, em detrimento daquelas lastreadas em outras moedas oficiais. A proposta, contudo, gera inquietações no mercado, principalmente quanto às restrições de volume e valores movimentados.

Excesso de restrição incomoda o mercado

A regulamentação do mercado pode agradar seus agentes pois traz mais segurança jurídica para o setor, o que tende a reduzir fraudes e golpes e, com isso, encorajar o envolvimento do público em geral. Dessa forma, a criação de um ambiente institucional seguro estimula o aumento da demanda e o crescimento do mercado. Contudo, uma regulação excessivamente restritiva pode gerar o resultado oposto ao esperado.

No caso da MiCa com relação às stablecoins, há críticas no sentido de que a restrição pode gerar uma queda brusca do mercado, o que afetaria investidores e entusiastas das criptomoedas. Isso porque as principais stablecoins hoje (Tether USDT, Circle USDC e Binance BUSD) somam cerca de 140 bilhões de dólares em captação, valores que excedem (e muito!) as limitações impostas no texto a ser votado no Parlamento Europeu.

Dessa forma, entende-se que há um forte risco de arbitragens regulatórias. Uma vez que é  um mercado considerado global, uma legislação excessivamente restritiva poderia estimular uma fuga da jurisdição europeia com a finalidade de evitar tais limitações. Isso traria complicações para a implementação das regras propostas na MiCA. Nesse sentido, muitos agentes do mercado ainda apostam em uma mudança na regra final, antes da aprovação pelo Parlamento, na esperança de um regramento um pouco mais brando para stablecoins.

Contudo, mesmo que o Parlamento decida suavizar as limitações de uso, é muito pouco provável que se mexa nas exigências prudenciais e de garantia de fundos para o lastro das stablecoins. A ideia é que esses criptoativos possam ser usados como meio de troca, mas sem comprometer a resiliência do sistema, a estabilidade financeira e a soberania monetária.

Nesse sentido, é possível que haja uma certa maleabilidade para que a Legislação final (que deve entrar em vigor a partir de 2024) atenda parte das solicitações do mercado, abrandando certas limitações de uso, principalmente com relação ao teto permitido para volume e valores transacionados, mas sem alterações em exigências macroprudenciais.

 

Morgana Tolentino é pesquisadora do Instituto Propague e mestra em Economia pela UERJ.

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