As instituições financeiras têm usado cada vez mais serviços de nuvem. Essa opção oferece acesso a um ambiente altamente tecnológico para armazenar, processar e gerenciar dados, potencialmente reduzindo os custos e aumentando a capacidade de gerar insights a partir do processamento dos dados. Em determinados casos, o uso dessa tecnologia pode até aumentar a resiliência e a segurança contra-ataques cibernéticos.
Contudo, alguns riscos ainda chamam atenção quando se trata da adoção em massa da tecnologia pelo sistema financeiro, sobretudo com relação à questão da soberania dos dados e da alta concentração no mercado de provedores de serviços de nuvem. Diante desses riscos e do crescimento recente no uso desse serviço dentro do sistema financeiro, é importante entender o papel dos bancos centrais nesse processo.
Serviços de nuvem e seus benefícios para o sistema financeiro
Com o aumento da digitalização, da ampliação do número de dados gerados e da crescente demanda pelo desenvolvimento de novos produtos e serviços mais personalizados, as instituições financeiras, inclusive bancos centrais, têm percebido a necessidade de modernizar suas operações de TI, para aprimorar usos analíticos, reduzir custos e mitigar riscos tanto operacionais quanto de segurança cibernética.
O principal benefício da adoção de serviços de nuvem é a redução do montante e da complexidade dos recursos que as instituições individualmente precisariam dedicar à criação e manutenção de uma grande infraestrutura de dados.
Nesse sentido, diversos players estão fechando parcerias com provedores de serviço de infraestrutura de nuvem, colhendo benefícios a um custo muito mais baixo do que seria o investimento individual. Assim, o principal benefício da adoção de serviços de nuvem é a redução do montante e da complexidade dos recursos que as instituições individualmente precisariam dedicar à criação e manutenção de uma grande infraestrutura de dados.
Com os ganhos de escala que um serviço de nuvem oferece (vários players do mercado usando o mesmo provedor de serviço de nuvem), as instituições conseguem ter acesso a tecnologias de última geração de forma mais rápida e mais barata, melhorando os insights e as tomadas de decisão a partir da análise de uma grande quantidade de dados.
Além disso, a larga escala de atuação de infraestruturas de serviços de nuvem promete trazer mais resiliência operacional e mais segurança cibernética. Isso porque os custos de acesso a tecnologias de segurança de última geração, bem como os custos de se manter uma equipe disponível todo o tempo para lidar com situações críticas, entre outros, se tornam custos do provedor do serviço de nuvem e são, portanto, divididos entre os demandantes do serviço.
Soberania de dados e a posição dos bancos centrais em serviços de nuvem
Mas nem tudo são flores quando se trata de serviços de nuvem. Primeiramente, é perceptível que os grandes benefícios que essa tecnologia pode oferecer hoje em dia se baseiam no ganho de escala que o serviço promove. Essa é uma característica que estimula a concentração no mercado, o que se observa atualmente: os três maiores provedores de serviços de nuvem abocanham 65% de todo o mercado global.
Essa alta concentração aumenta o risco relacionado à soberania dos dados. Hoje considerado um fator de produção tão ou mais valioso que o petróleo, os dados são estratégicos para a soberania nacional, o que faz muitos especialistas questionarem o uso de nuvem, sobretudo por autoridades nacionais que lidam com dados altamente sensíveis para a nação, em um mercado controlado pelas Big Techs. Isso porque existe a insegurança de que provedores de origem internacional (os principais do mercado) aceitem entregar os dados caso sejam requeridos pelas autoridades do país de origem.
Por outro lado, o uso de provedores menores locais reduziria a escala da operação e, portanto, seus principais benefícios, além de reduzir o aparato de segurança, aumentando a exposição a ataques cibernéticos e outros riscos.
A opção por infraestruturas híbridas, com parte dos dados armazenados em nuvem e informações mais sensíveis armazenadas em infraestruturas internas, é uma solução mais imediata que tem sido usada. Esse modelo é especialmente adotado por bancos centrais que utilizam serviços de nuvem, como uma forma de proteger dados considerados de importância crucial. Contudo, a divisão na base de dados limita grande parte dos ganhos que as instituições podem ter em termos de processamento e análise de informações.
Considerando, então, os benefícios computacionais da infraestrutura de nuvem, mas a sua dependência de operar em larga escala e, portanto, sua tendência à concentração no mercado de prestação de serviço e o risco que isso apresenta para a soberania dos dados, é interessante que bancos centrais pensem além de sua função supervisora e considerem tornar-se provedores de serviços de nuvem para o sistema financeiro, uma opção levantada em publicação do Digital Monetary Institute sobre o tema.
Diante dessa possibilidade, bancos centrais poderiam se beneficiar dos ganhos computacionais de larga escala operando em um sistema garantido por ele mesmo e, portanto, endereçando o risco de soberania de dados, entre outros. Além disso, diante de um mercado altamente concentrado a nível global, o banco central como provedor de serviço de nuvem poderia assegurar a acessibilidade dos demais players do sistema financeiro ao serviço de nuvem, aumentando a competitividade no mercado interno.
Morgana Tolentino é pesquisadora do Instituto Propague e doutoranda em economia pela UFRJ.
@instpropagueServiços de nuvem no sistema financeiro e o papel do banco central
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