CBDC no Brasil: diante do sucesso do Pix, qual o espaço do Real Digital?

Um dos principais benefícios associados às CBDCs é a digitalização do sistema de pagamentos. Porém, no Brasil o Pix já cumpre esse papel. Então, qual seria o espaço de atuação do Real Digital? Entenda mais sobre essa discussão no nosso novo Insight.
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Morgana Tolentino
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A emissão de uma CBDC (moeda digital do banco central) é comumente associada a uma melhoria na eficiência dos meios de pagamento, por meio da digitalização dos processos. Mas esse benefício, em particular, já é atingido por meio do PIX, o pagamento instantâneo digital que revolucionou a transferência de recursos no país. Não à toa o presidente do BCB indica que o projeto brasileiro de CBDC, o Real Digital, busca explorar outras vantagens. 

Tendência Global de Aplicação das CBDCs: Existe Convergência?

Existe uma grande tendência de estudar a possibilidade de implementação de moedas digitais oficiais ao redor do mundo. Como proposta de valor vista de forma mais proeminente por hora, as CBDCs seriam uma primeira forma de digitalizar pagamentos, melhorando não só a eficiência do sistema (trazendo mais rapidez e segurança para as transações), como também a possibilidade de associar a emissão de CBDCs a maior inclusão financeira. Mas existem estudos trazendo a possibilidade de se utilizar moedas digitais oficiais como novo instrumento de política monetária, estabilidade financeira e soberania monetária, sobretudo diante do avanço do mundo cripto. 

Mas parece que existe um certo espaço para, diante da equação de benefícios e riscos associados à CBDC, customizar o projeto de CBDC ao objetivo que melhor se adeque ao contexto do país. O projeto europeu, por exemplo, não prevê a CBCD como ferramenta de política monetária, nem tampouco busca a substituição do dinheiro físico em futuro próximo. Segundo declaração da presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, no  BIS Innovation Summit, o Euro Digital visa principalmente tornar as transações mais rápidas, fáceis, baratas e seguras. A importância dada à melhoria da eficiência das transações se mostra em linha com uma pesquisa de 2020, em que a melhoria do sistema de pagamentos foi citada como uma das principais motivações para emissão de uma CBDC, tanto por bancos centrais de países de economia avançada como de países de mercados emergentes. 

O PIX é considerado um exemplo no mundo, tendo sido inclusive, tema do último boletim publicado em março pelo BIS. A digitalização no sistema de pagamentos brasileiro já é um sucesso de público, com os dois principais instrumentos, cartão e PIX, em crescimento contínuo, substituindo não apenas outros métodos mais caros (como TED e DOC, estes mais em função do PIX), como o próprio pagamento em cash. O PIX, inclusive, permite colher diversos benefícios associados não só à eficiência do sistema de pagamentos, mas também objetivos de inclusão social, que também poderiam ser objeto de um projeto de CBDC. 

A estratégia utilizada pelo BCB para estimular o uso do pagamento instantâneo foi um dos principais fatores de sucesso. As maiores instituições financeiras tiveram participação mandatória, mas o cadastro do público é opcional. Com um bom projeto de marketing e a ausência de taxa para pessoas físicas, no primeiro ano de atividade, o PIX já era responsável por 72% das operações e já tinha sido usado por mais de 62% dos brasileiros adultos. 

Além de melhorar a eficiência dos pagamentos, o PIX se mostrou um potente vetor de inclusão financeira. No aniversário de um ano do lançamento, o BCB declarou que mais de 45 milhões de pessoas haviam feito uma transação por PIX após doze meses de inatividade em transações bancárias. Isso representa mais de 20% da população brasileira. Para o ano de 2022, estão previstas novas utilidades para a ferramenta, gerando expectativa de expansão dos benefícios colhidos com PIX e recordes de transações. 

A busca por inclusão e digitalização no sistema financeiro é um processo contínuo, em pauta constante em países de economias centrais e emergentes. Melhorar ainda mais a eficiência nas transações e a inclusão financeira não deixarão de ser objetivos da CBDC brasileira. Mas os rápidos resultados positivos já obtidos com o PIX e a projeção de expansão desse cenário abre espaço para que o projeto da CBDC brasileira se volte para outros casos de uso. 

CBDC no Brasil: o projeto do Real Digital

Esse espaço parece estar sendo aproveitado, dadas as comunicações do regulador. O presidente do BCB, Roberto Campos Neto, vê finalidades diferentes para a CBDC, e vem demonstrando que o Real Digital deve ser um projeto inovador. Durante o BIS Innovation Summit, Campos Neto explicou que o projeto do Real Digital se baseia em “ter um sistema onde bancos poderão emitir stablecoins sob depósitos e eles seriam garantidos pela CBDC”. 

Mais recentemente ele reforçou a ideia em evento promovido pela TC, explicando que o projeto piloto deve se basear em “um STR [Sistema de Transferências de Reservas] digital, que será garantido pelo Real Digital e os bancos vão emitir stablecoins em cima dos seus depósitos”. O projeto parece se encaminhar, então, para um modelo de moeda privada lastreada no Real Digital que, segundo Campos Neto, seria uma forma de fazer a digitalização da moeda sem criar ruptura no balanço dos bancos. Mas essa inovação no desenho reflete em uma inovação na funcionalidade? As ações mais recentes do BCB sugerem que sim.

A exemplo disso, o Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (Lift), responsável por encontrar soluções tecnológicas para o sistema financeiro nacional, lançou o Lift Challenge – Real Digital. Trata-se de um desafio proposto para que os participantes do mercado desenvolvam um produto minimamente viável (MVP) para o projeto de CBDC brasileira. O foco do desafio está em explorar utilidades associadas à integração com finanças descentralizadas (DeFi) através de protocolos baseados em CBDC, soluções para transações com ativos totalmente digitais, ambientes de payment versus payment voltados para o câmbio entre moedas, e integração com a internet das coisas (IoT). Isso reforça que o projeto do BCB não tem como prioridade a digitalização do sistema de pagamentos. O sucesso já experimentado pelo PIX parece ter aberto espaço para que o Real Digital se volte para outros casos de uso, buscando explorar, principalmente, a integração de uma moeda oficial com tecnologias descentralizadas. 

Morgana Tolentino é assistente de pesquisa do Instituto Propague e mestranda em Economia pela UERJ.

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