Criptomoedas e CBDCs: elas podem coexistir?

Globalmente, os bancos centrais exploram mais atentamente as CBDCs desde 2019 e alguns países já avançaram com seus projetos. Porém, ao contrário da China, que reprimiu o comércio e a mineração de criptomoedas, a Índia abriu o caminho para ambos.
Data
Autor
Equipe Propague
Produto
Compartilhar

Em outubro de 2020, as Bahamas lançaram a primeira CBDC (moeda digital de banco central) do mundo, o Sand Dollar. Concretizava-se, então, uma mudança fundamental na política monetária de um banco central em meio a um movimento cada vez maior de no mercado de criptomoedas. Atualmente, mais de uma centena de países estão em algum estágio de análise ou criação de uma CBDC, sendo o yuan digital, da China, o caso mais avançado em uma grande economia. Esses projetos surgiram com um propósito de fazer frente às criptomoedas, em especial stablecoins, mercado que conta com um crescimento representativo. Agora o mundo se pergunta se criptomoedas e CBDCs podem coexistir?

Na avaliação de um grupo de especialistas, a resposta é positiva. Eles apontam que apesar do ceticismo de governos e reguladores, as criptomoedas provavelmente ainda existirão em um mundo de CBDCs. Até porque, apontam que a tecnologia, as estruturas organizacionais e parte das funcionalidades por trás das criptomoedas e CBDCs são suficientemente diferentes para justificar sua coexistência.

Vejamos o exemplo da Índia, que apesar de trabalhar fortemente para também lançar sua CBDC, prevista para começar em abril de 2022, planeja continuar aceitando criptomoedas. A saber, ao invés de serem completamente banidos, como se especulava até setembro de 2021, Bitcoin e Ethereum serão fortemente tributados. O tratamento que está sendo planejado pelo governo, por enquanto, é o de não tratar criptomoedas como moeda, mas como ativos digitais cujos ganhos derivados de suas movimentações devem ser tributados em 30% além de terem um imposto de 1% deduzido na fonte.

Leia também: Moedas digitais: entenda o que são criptomoedas, stablecoins e CBDCs

O ânimo do mercado para as criptomoedas e CBDCs

Apesar dos altos impostos e das regras ainda pouco claras, a comunidade de criptomoedas, conforme expôs a imprensa indiana, está animada. “Até agora, a maior preocupação era que a criptomoeda pudesse ser banida a qualquer momento. Porém, isso talvez tenha desaparecido. As pessoas que esperavam clareza agora podem investir. Além disso, os investidores institucionais seriam incentivados”, disse Nischal Shetty, CEO da maior exchange de criptomoedas do país asiático, ao portal local The Economic Times.

Entretanto, mesmo com uma sinalização positiva para a coexistência de criptomoedas e CBDCs na Índia, a ministra das Finanças, Nirmala Sitharaman, afirmou em entrevista coletiva que “tributar não traz legitimidade automaticamente”. Conforme disse, o governo decidirá sobre isso mais adiante, depois que o processo de consulta sobre criptomoeda terminar.

“O termo criptomoeda tornou-se genérico para qualquer coisa que use a tecnologia blockchain. Moeda existe apenas quando uma autoridade emite. Não posso ficar sentada em casa e minerar moeda. Não é ilícito? A moeda não pode ser emitida por todos. Tem que ser impulsionada pelo banco central. O RBI [sigla em inglês para o Banco Central indiano] vai criar uma moeda digital. Porém, além dela, compra e venda de criptomoedas [como ativos digitais] estão acontecendo e lucros estão sendo feitos e nada me impede de tributar. Tributar na verdade não traz legitimidade”, afirmou.

CBDCs e o papel dos bancos comerciais

Ainda em meio ao debate envolvendo criptomoedas e CBDCs, outra questão importante vem à tona, especificamente no que tange às CBDCs: o papel dos bancos comerciais. Afinal, o sistema bancário mundial trabalha em dois níveis, onde bancos centrais cumprem, de forma geral, o papel regulador, definidor de política monetária e emprestador de última instância enquanto bancos comerciais executam a tarefa de intermediação financeira.

Nesse sentido, em artigo publicado pelo OMFIF, Wolfram Seidemann, CEO da G+D Currency Technology, expõe que é importante considerar o sistema bancário e como as CBDCs são implementadas e programadas para manter a integridade da relação entre essas instituições.

Considerando que eventuais desequilíbrios podem resultar na desintermediação do sistema financeiro ao tirar os bancos comerciais do circuito e isso levar à desestabilização financeira, a relação do projeto de CBDC com o setor bancário ganha importância. Essa questão já vinha sendo mapeada em debates prévios, Seidemann traz um outro foco para sua análise: o cliente.

Para ele, “embora os bancos centrais sejam responsáveis pela criação e destruição do dinheiro digital [da CBDC], os bancos comerciais serão vitais para sua implantação, pois são os melhores players para assumir um papel voltado para o cliente no ecossistema e serem responsáveis pela distribuição – como agora com o dinheiro físico. Aliás, mais do que isso, já que a CBDC oferece a oportunidade de desenvolver novos produtos e serviços financeiros”, justifica.

Como exemplo, ele cita que uma CBDC pode utilizar recursos programáveis que residem no nível do banco comercial, dando-lhes autoridade para gerenciar esses recursos e ajudando a melhorar o desempenho geral e reduzir a complexidade de seu ecossistema, assim como facilitar a inclusão financeira.

“Os bancos comerciais também podem usar a introdução da CBDC para vincular ainda mais os clientes a si mesmos, por meio de aplicativos especiais para uso e custódia de CBDC e vinculá-las a novos serviços ao cliente baseados nessas moedas”, aponta.

Ao mesmo tempo, Seidemann destaca que não há necessidade de os bancos comerciais crerem em concorrência dos bancos centrais. “A comprovada divisão de funções e tarefas entre bancos centrais, comerciais e prestadores de serviços financeiros, na qual os consumidores são atendidos de forma descentralizada, permanece intacta”, afirma.

Veja ainda:

Todos os produtos

Quer se
aprofundar mais?

Com uma linguagem simples de entender, as análises do Instituto Propague vão te deixar por dentro dos principais temas do mercado.

Leia agora!