O histórico resistente do governo chinês em relação aos criptoativos é bem conhecido e está longe de ser novidade. Colecionando diferentes tentativas de frear o avanço do mercado e manter a estabilidade financeira nacional como, por exemplo, a proibição da mineração de cripto no país. Apesar disso, os NFTs (tokens não-fungíveis), ainda não contam com uma proibição oficial, apenas apontamento dos riscos.
Apesar desse ambiente de incertezas, a popularidade e demanda das NFT´s tem crescido entre os chineses. De acordo com o Pandaily, um portal de notícias da China, o número de plataformas voltadas para esses produtos cresceu aproximadamente 5 vezes desde fevereiro de 2020. Acompanhando essa tendência, algumas Bigtechs, como a Tencent e Alibaba, registraram várias patentes ligadas ao setor.
Considerando o aumento de interesse pelos colecionáveis digitais em forma de NFTs e, temendo a especulação gerada por um mercado secundário, grandes players do mercado financeiro chinês e empresas de tecnologia e entretenimento digital se organizaram para lançar iniciativas e documentos independentes com diretrizes autorregulatórias e orientações aos possíveis riscos financeiros inerentes às NFTs.
Iniciativas autorregulatórias no mercado chinês de NFTs
Esse movimento teve como ponto de partida o reconhecimento de organizações do setor financeiro digital de que NFTs, associadas à tecnologia blockchain, possuem um valor de inovação e crescimento para a economia da China e promovem o desenvolvimento digital e cultural no país. Assim, em abril de 2022, três organizações – a Associação Nacional de Finanças na Internet da China, a Associação Bancária da China e a Associação de Valores Mobiliários da China – lançaram uma Iniciativa com objetivo de pontuar benefícios de NFTs e prevenir riscos financeiros associados à esse mercado.
As principais contribuições apontadas pelo documento são:
- Afirmar o papel positivo da NFT e apontar riscos relacionados;
- Definição do conceito de NFT na China, diferenciando-o explicitamente de outros criptoativos;
- Incentivo a inovação e uso de NFT´s atrelados a “economia real”;
- Evitar a tendência de financeirização e securitização dos NFTs, prevenindo os riscos de atividades financeiras ilegais.
É importante destacar que essa iniciativa é uma intenção de autorregulação, não um marco regulatório. Ainda assim, o documento é de grande relevância para o mercado de NFTs por oferecer uma separação explícita dos tokens não fungíveis da definição de outros criptoativos. Além disso, abre caminho para que demais atores do mercado de ativos digitais se manifestem.
A iniciativa também contribui para a visão de que as agências governamentais chinesas podem tratar o mercado de NFTs como uma aplicação promissora da tecnologia blockchain, mesmo reconhecendo riscos associados à especulação excessiva e atividades ilegais. Tal postura de tentar separar aplicações da tecnologia blockchain do mercado de criptoativo, em especial criptomoedas, inclusive, já é comum no país.
Mercados culturais e de tecnologia também buscam incentivar NFTs
Seguindo esse movimento, as principais empresas do setor cultural e de tecnologia também lançaram um documento com diretrizes para um mercado de NFTs mais seguro, pensando em explorar as possibilidades dos produtos colecionáveis.
Especificamente, em junho de 2022, a Associação da Indústria Cultural da China em conjunto com mais de 30 empresas e instituições do país lançaram uma declaração autorregulatória voltada para o desenvolvimento da indústria de itens digitais colecionáveis. Os objetivos principais são evitar o comércio secundário e a especulação, além de melhorar os padrões de acesso às plataformas.
Entre as instituições envolvidas estão tanto empresas estatais quanto privadas que dominam o universo digital, como a Ant Group e o grupo Alibaba, a Tencent, e demais gigantes como Baidu e JD.com. A iniciativa se tornou a maior convenção autorregulatória em termos de extensão da China.
As principais diretrizes do documento incluem:
- Necessidade de qualificação para as plataformas operarem;
- Garantia de segurança e o controle da tecnologia blockchain;
- Fortalecimento da capacidade de proteção da propriedade intelectual;
- Prevenção à financeirização, especulação e securitização;
- Defesa do consumidor.
Nesse sentido, as qualificações necessárias para emissão e venda de tokens digitais devem estar de acordo com as leis e regulamentos nacionais. Ademais, as empresas que negociam os ativos devem possuir qualificações relevantes, como arquivamento de informação blockchain, licença de negócios de cultura em rede e licença de operação de negócios de telecomunicações.
A Associação da Indústria Cultural da China aponta ainda que as principais plataformas devem usar a tecnologia digital para expandir as possibilidades de aplicações físicas, como no caso de replicar obras em parcerias com museus. Assim, as empresas ajudariam a promover a indústria cultural e se tornar uma força na criação de valor real, sem um ambiente especulativo.
As BigTechs envolvidas já começaram a explorar esse universo NFT, investindo nas tecnologias blockchain e testando seu público dentro dessa rede de itens colecionáveis. A Tencent, por exemplo, pretende criar uma unidade de realidade estendida para explorar tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada, incorporando itens digitais colecionáveis. Já a Baidu lançou sua plataforma digital esse ano e já distribuiu mais de 20.000 itens colecionáveis.
A prevenção da especulação é, agora, a palavra de ordem entre os grandes grupos que negociam NFTs. Os produtos digitais nas principais plataformas estão sendo projetados para não suportar transações secundárias, possuindo autenticação de nomes reais e mecanismos de segurança para emissão de conteúdo.
A ideia, portanto, é elevar o potencial do NFT como uma forma de colecionar itens no mundo virtual de forma organizada e com certificação, minimizando o lado especulativo que ganhou destaque em 2021 ao redor do mundo.
Mercado chinês de NFTs vai se desenhando
Tais manifestações de importantes organizações financeiras e empresas de setores como tecnologia e cultura acontecem em meio ao crescimento da popularidade do mercado de NFT´s chinês e refletem o seu desenvolvimento a partir de dois segmentos.
O primeiro é formado por grandes empresas de tecnologia, inovação e cultura, que se concentram, principalmente, na função “colecionável” das NFT ao invés da negociação de tokens. É este segmento que os documentos autorregulatórios pretendem impulsionar.
O segundo grupo diz respeito às plataformas com funções mais abrangentes e um alto limite para usuários comuns emitirem tokens. Essas são as que têm sofrido mais com a ofensiva governamental e de empresas como o Wechat, principalmente por estarem mais sujeitas à especulação e abusos no mercado secundário.
O caso do WeChat chama atenção por ser a plataforma de mídia social mais popular da China e ir na contramão de suas concorrentes. Recentemente, o WeChat atualizou suas políticas para proibir contas que fornecem acesso a serviços relacionados a cripto ou NFT. Mesmo com as novas orientações que diferenciam NFTs de outros criptoativos, as novas diretrizes restringem o comércio e o financiamento tanto de cripto quanto NFTs. Além disso, a nova política também abrange usuários envolvidos com a negociação secundária dos itens colecionáveis.
Em relação às medidas punitivas, a empresa afirma que, uma vez que violações sejam descobertas, ordenará que as contas se retifiquem dentro de um prazo específico e restringirá algumas das suas funções, podendo, inclusive, banir permanentemente o usuário a depender da gravidade da situação.
Assim, o mercado de NFTs chinês segue se delineando, ficando cada vez mais claro quem são os players que apostam em seu crescimento e afastamento do comportamento especulativo e quem está se afastando do produto.
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