Taxa de desconto no débito caiu graças ao teto do BC, entenda

A taxa de desconto do cartão de débito caiu mais de 20% entre 2018 e 2020. Estudo do BC avalia sucesso da regulação das tarifas no setor.
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O custo dos lojistas com a aceitação do cartão de débito teve redução de 20% em resposta a uma política de regulamentação das tarifas implementada pelo Banco Central. O MDR, que é a taxa de desconto paga pelo varejo nas compras no débito, caiu de 1,4% no terceiro trimestre de 2018 para 1,12% no 1º tri de 2020.

O resultado foi divulgado pelo Banco Central no Estudo Especial nº 106, que analisou os efeitos do teto sobre a tarifa de intercâmbio, a parte do MDR destinada aos bancos emissores. A análise cobriu o período desde a entrada em vigor da regra, em outubro de 2018, até o primeiro trimestre de 2020 para evitar contaminar os resultados com efeitos provocados pela pandemia.

O estudo mostrou que a limitação da tarifa de intercâmbio teve sucesso para diminuir custos no varejo e gerar mais transparência na estrutura de preços dos arranjos de pagamento em débito. Contudo, a redução no custo do cartão de débito não foi suficiente para aumentar a demanda por esse instrumento como método de pagamento.

Confira a motivação por trás dessa política e os resultados em detalhe abaixo.

| Para entender como são cobradas as tarifas dos arranjos de pagamento em cartões, confira Mercado de pagamentos: o que é e como funciona?

A taxa de desconto e o teto sobre a tarifa de intercâmbio

A cada compra com cartão de crédito ou débito, os lojistas pagam às credenciadoras (que fornecem a maquininha) uma taxa de desconto pelo serviço de adquirência, que é conhecida pela sigla MDR, do inglês Merchant Discount Rate.

Parte desse valor é repassado pela credenciadora ao banco ou outra instituição que emitiu o cartão utilizado na transação. Essa é a tarifa de intercâmbio (TIC), um componente do custo do varejo com a aceitação de cartões de crédito e débito que fica invisível para consumidores e lojistas. O MDR tem ainda outros dois componentes:

Os três componentes do MDR são: Tarifa de intercâmbio, taxas da bandeira e Net-MDR. O limite se aplica apenas à tarifa de intercâmbio, que deve ter valor máximo de 0,8% por compra.

A partir de outubro de 2018 entrou em vigor a Circular BCB nº 3.887, que limita a tarifa de intercâmbio nas operações de débito a um valor máximo de 0,8% por compra, sendo que a média da tarifa cobrada no trimestre, ponderada pelas transações, não pode ultrapassar 0,5%.

Desde 2010, a taxa de desconto paga pelos lojistas tanto nas operações de crédito quanto débito estava em queda, como um dos reflexos da concorrência no mercado de cartões. No entanto, as tarifas de intercâmbio subiam. Assim, a tarifa de intercâmbio assumia uma proporção cada vez maior do MDR pago pelos lojistas:

Participação da Tarifa de Intercâmbio na Taxa de Desconto (%)

Gráfico: relação entre a taxa de desconto e tarifa de intercâmbio crescia desde 2010

Fonte: Banco Central do Brasil.

Quando o teto começou a valer, a tarifa de intercâmbio representava mais de 55% de toda a taxa de desconto e estava em trajetória ascendente. A expectativa do BC era que, reduzindo a tarifa de intercâmbio, a concorrência entre credenciadoras faria a taxa de desconto final cobrada dos varejistas cair também.

Por que limitar a tarifa de intercâmbio nos pagamentos com cartão?

A regulamentação das tarifas é uma prática que passou a ser adotada a partir do entendimento dos reguladores e especialistas de que há uma tendência para cobrança excessiva de tarifas que oneram os estabelecimentos comerciais¹.

Isto ocorre porque a concorrência, no mercado de cartões, não funciona da forma tradicional. De forma simplificada, na disputa pelo market share dos consumidores, as bandeiras têm uma inclinação natural a usar a tarifa de intercâmbio como incentivo financeiro aos bancos para que estes emitam cartões aos clientes.

Dessa forma, a tarifa de intercâmbio tende a ter um valor acima do que o necessário para custear a emissão de cartões. Os estabelecimentos comerciais, por sua vez, têm pouco poder de barganha: ou assumem os custos mais altos e tentam repassá-los aos consumidores via preço, ou correm o risco de perder os clientes usuários de cartão.

O limite à tarifa de intercâmbio já havia sido adotado em outros países na busca de maior transparência na estrutura de preços do mercado de pagamentos e uma redução de custos para o varejo. O país pioneiro na regulação das tarifas de intercâmbio foi a Austrália, ainda em 2003, mas mais recentemente o limite à tarifa foi adotado também nos Estados Unidos, China, Canadá, União Europeia e Argentina.

Segundo o próprio Banco Central, os objetivos com a política do teto na tarifa de intercâmbio das operações de débito eram tornar mais transparente a estrutura de preços dos diferentes instrumentos de pagamentos, reduzindo subsídios cruzados entre crédito, débito e dinheiro em espécie. Dessa forma, o regulador esperava incentivar o uso do cartão de débito no Brasil e reduzir a sobreutilização do cartão de crédito, que tem maiores custos.

A tarifa de intercâmbio e os subsídios cruzados no mercado de pagamentos

Se há cobrança excessiva na tarifa de intercâmbio, os emissores podem usar essa receita “extra” para reduzir as tarifas cobradas dos portadores de cartão ou simplesmente embolsá-la na forma de lucros. Ou seja, pagando mais caro do que o necessário (em relação aos custos operacionais) para aceitar pagamentos com cartão, os estabelecimentos comerciais acabam subsidiando o uso do cartão pelos consumidores e emissores do cartão.

Além disso, quanto maior a competição entre credenciadoras, menor o poder que elas têm para aumentar o MDR final cobrado do estabelecimento comercial. Assim, em um mercado competitivo, uma taxa de intercâmbio muito alta comprime as receitas das credenciadoras, em favor dos bancos e instituições financeiras emissoras dos cartões.

| Para saber mais sobre a regulação das tarifas no mercado de pagamentos no capítulo 5 do livro Regulação de Meios de Pagamento, por Carlos Ragazzo.

Outros subsídios cruzados: reflexos nos preços do varejo

A cobrança excessiva de tarifas também gera um custo invisível que recai sobre os consumidores que utilizam meios de pagamentos mais baratos (débito e dinheiro em espécie).

As lojas tendem a repassar aos consumidores os custos com as transações de pagamento, mas em geral não diferenciam os preços no caixa conforme o método de pagamento escolhido. Desse modo, todos os consumidores acabam pagando um preço mais alto, que é ajustado para compensar o custo com o método mais caro.

Para tentar remediar essa última situação, havia sido editada ainda em 2016 uma medida provisória permitindo a diferenciação de preços no varejo conforme o método de pagamento.

Porém, o Banco Central identificou que um dos problemas no Brasil era que não havia uma diferenciação nas taxas pagas na ponta para cada modalidade. Ou seja, como o custo de receber um pagamento por cartão de débito era semelhante ao custo do crédito, os varejistas não tinham incentivo para diferenciar preços conforme a modalidade ou nem para estimular os clientes a usarem a função débito.

Assim, a limitação da tarifa de intercâmbio no débito é destinada a (i) reduzir o subsídio cruzado intra-arranjo, isto é, a cobrança que recai excessivamente sobre lojistas nas transações de débito e (ii) diferenciar o preço do débito em relação ao crédito, com expectativa de aumento no uso da modalidade mais barata.

Balanço de resultados da redução da tarifa de intercâmbio é positivo, mostra BC

A definição do teto pelo BC gerou uma redução de 35% na tarifa de intercâmbio média na função débito até o primeiro trimestre de 2020, chegando a 0,51%.

Um dos pontos de atenção dos reguladores é que isso não gerasse resultados positivos no varejo caso as bandeiras dos cartões tentassem compensar o teto aumentando outras tarifas, como ocorreu na União Europeia², ou se as credenciadoras não reduzissem a cobrança do MDR em resposta à queda nas tarifas de intercâmbio.

Segundo a análise do Banco Central, a política foi bem-sucedida e não houve movimentos compensatórios por parte dos agentes do mercado.

Conforme esperado, houve, de fato, uma redução na receita dos bancos emissores com tarifas de cartão de débito estimada em 32%, ao passo em que a redução do intercâmbio foi repassada gradualmente aos estabelecimentos comerciais, com uma redução observada de 22% no MDR, ou 0,28p.p. ao final do 1º trimestre de 2020.

Vale notar que o aumento do uso de cartão de débito e crédito no período compensou o corte na receita média das instituições emissoras. Os dados enviados ao BC mostraram um aumento na receita total com emissão de cartões, de R$ 4,5 bilhões para R$ 4,8 bilhões.

Além dos efeitos do teto sobre a taxa de desconto, o Banco Central esperava que, com a redução de custos, houvesse um aumento na demanda pelo cartão de débito, com mais transações por cartão ativo. Contudo, esse efeito não foi detectado no período coberto pela análise do BC. Ainda assim, os dados da Abecs, ao longo de 2020, após a pandemia, mostram um aumento de 15% no volume de compras por cartão de débito, contra 3% de crescimento para cartões de crédito.

 


¹ Alguns artigos científicos que demonstram esse aspecto são:

ROCHET, Jean-Charles; TIROLE, Jean. Must-take cards: Merchant discounts and avoided costs. Journal of the European Economic Association, v. 9, n. 3, p. 462-495, 2011. 

WRIGHT, Julian. Why payment card fees are biased against retailers. The RAND Journal of Economics, v. 43, n. 4, p. 761-780, 2012.

² Confira o estudo publicado sobre esse tema: Scheme Fee Study, commissioned by Eurocommerce.

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