Regulação do mercado cripto na UE será referência mundial?

Crises no mercado em cripto têm acontecido em sequência, o que preocupa os reguladores. Saiba como o projeto MiCA coloca Europa no centro do debate.
Regulação do mercado cripto na UE será referência mundial?
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Morgana Tolentino
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Desde o lançamento do Bitcoin, a primeira criptomoeda do mundo, o mercado cripto se desenvolveu e cresceu, ganhando novos investidores ao redor do globo e tendo alcançado uma avaliação de mercado de 3 trilhões de dólares em seu maior período de crescimento. Em 2022, contudo, o mercado se deparou com o inverno cripto: uma longa e duradoura baixa que afetou o preço dos ativos de forma generalizada, levando a uma perda total avaliada na casa dos 2 trilhões de dólares. 

Devido à importância global que o setor já alcançou, essa forte desvalorização e colapso de algumas criptomoedas fez avançar a agenda da regulação em diversos países. No Brasil, por exemplo, um projeto de lei já foi aprovado na Câmara e tramita no Senado. Enquanto isso, em 2022, os EUA iniciaram os debates para uma regulamentação de cripto no país, tema que parecia adormecido por lá. 

Entretanto, um dos principais desafios para a regulação é a característica global do mercado, o que exige uma cooperação internacional para garantir a boa execução das regras, evitando arbitragens regulatórias. Nesse sentido, o projeto de regulação do mercado cripto na União Europeia, conhecido como MiCA, já se encontra em estágio bastante avançado, com um texto já aprovado pela Comissão Europeia e à espera da votação final no Parlamento Europeu. 

Caso a MiCA venha a ser bem-sucedida, ela pode botar a Europa no centro do debate acerca de regulação de cripto, destacando esse marco regulatório como benchmark para outros países.

A importância da cooperação internacional na regulação do mercado cripto

Deixando de ser um mercado de nicho, o mercado cripto vem envolvendo investidores dos mais diversos segmentos, com especial crescimento do envolvimento do investidor de varejo e de investidores institucionais tradicionais, como bancos e outras instituições financeiras.

Esse maior envolvimento do investidor de varejo preocupa as autoridades, sobretudo com relação a regras de proteção ao investidor. Da mesma forma, a entrada de investidores institucionais estreita a relação entre os dois mercados e gera inquietação por aumentar a probabilidade de que uma crise no ambiente cripto venha ter forte impacto sobre o sistema financeiro como todo, podendo, inclusive, chegar a contagiar a economia real.

Tal preocupação com o potencial de contágio de uma crise no mercado cripto ainda foi reforçada pela queda do mercado em 2022 após o colapso da stablecoin Terra/LUNA e a quebra da FTX (uma das maiores corretoras de cripto do mundo). Chamou atenção, em especial, pelo colapso de grandes players e importantes ativos do mercado cripto ter se espalhado dentro do universo cripto, afetando preços dos demais ativos e desestabilizando outros players, gerando grandes perdas. Com o aprofundamento das relações entre o mercado cripto e o sistema financeiro tradicional, o medo é que essas perdas se dissipem para outras áreas do setor financeiro e, possivelmente, para a economia real. 

Esse medo do contágio assola o sistema financeiro a nível global; por isso, se observa um esforço em termos de discussões e acordos internacionais para o estabelecimento de regras prudenciais que buscam garantir a estabilidade do sistema como um todo. Nesse sentido, espera-se que os marcos regulatórios para o mercado cripto tragam regras para mitigação de riscos em um esforço de trazer mais estabilidade ao setor.

Nessa perspectiva, um dos principais desafios é garantir uma cooperação internacional, a fim de evitar a arbitragem regulatória. 

Sinergias nas regulações nacionais pode ser o caminho para evitar arbitragens regulatórias 

A arbitragem regulatória ocorre quando um player muda a jurisdição da sua atividade em busca de um mercado com regras mais brandas, fugindo, assim, das restrições impostas no local original. Evitar esse tipo de movimento é um desafio especialmente importante no que tange o mercado cripto devido à sua operação baseada em alta tecnologia descentralizada e, portanto, com alcance transnacional.

O que se observa hoje são esforços nacionais (ou em bloco, como é o caso da MiCA para União Europeia), o que torna necessário que as regulações locais possuam sinergias quanto a questões de estabilidade do sistema, a fim de evitar movimentos de arbitragem regulatória.

Uma das possibilidades para lidar com esse tipo de desafio seria a criação de uma autoridade internacional para regulamentar o setor, mas essa solução parece já ter sido descartada. O que se observa hoje são esforços nacionais (ou em bloco, como é o caso da MiCA para União Europeia), o que torna necessário que as regulações locais possuam sinergias quanto a questões de estabilidade do sistema, a fim de evitar movimentos de arbitragem regulatória.

Nesse sentido, a tendência é que o primeiro marco regulatório de maior escala que obtiver sucesso seja usado como benchmark para o desenvolvimento das regulações nacionais posteriores. É aqui que a MiCA se destaca como o projeto mais avançado para um marco legal sólido, com expectativa de entrada em vigor já em 2023 ou 2024. Isso porque, apesar de outros marcos já existirem, são aplicados em territórios menores como Singapura. 

De fato, a entrada em vigor da MiCA já deve ter impactos diretos sobre o mercado cripto de forma global. Quaisquer provedores de serviços cripto que atuem na União Europeia, independente do seu país de origem, deverão obter registros locais para atuar dentro do bloco. Além disso, serão exigidos requerimentos de capital (a depender do tipo de atividade e volume transacionado), exigências de cobertura de seguros, requisitos de governança, cumprimento de regras anti-lavagem de dinheiro, entre outros. 

Caso a MiCA cumpra o seu principal objetivo, que é prover segurança jurídica e institucional para o mercado cripto, estabelecendo regras uniformes para o setor e determinando o escopo de atuação das autoridades responsáveis, a tendência é que o marco regulatório se torne o grande exemplo global, levando as discussões posteriores a usarem a MiCA como principal base para o desenvolvimento de marcos regulatórios nacionais.

Morgana Tolentino é pesquisadora do Instituto Propague e mestra em Economia pela UERJ.

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