Inverno cripto: é hora de pressionar por ampla regulação?

Acompanhe o debate sobre se as ameaças decorrentes da queda acentuada de valor das criptomoedas em 2022 são fortes o suficiente para justificar uma ação regulatória drástica em escala global.
Inverno cripto
Data
Autor
Equipe Propague
Produto
Compartilhar

Ao longo de 2022, o mercado de criptomoedas sofreu um forte baque, quando caiu de um valor estimado na casa dos US$ 3 trilhões para apenas US$ 1 trilhão em poucos meses. Durante esse período de queda acentuada, batizado como inverno cripto, vários líderes do setor, a exemplo da Terra Luna, FTX e Genesis colapsaram, o que serviu de munição para ampliar ainda mais o debate regulatório em todo o mundo.

Portanto, não causa nenhuma surpresa o tamanho do desafio que o ano de 2023 representa para essa classe de criptoativos, ainda vista com certa desconfiança por boa parte dos consumidores e investidores, bem como por empresas e pelo setor financeiro tradicional.

Nesse contexto, o inverno cripto fez com que as consequências desse mercado continuar a operar sem restrições, aumentasse ainda mais o medo, a insegurança e a incerteza desse público, juntando-se a ele muitos daqueles que já vinham apostando nas criptomoedas.

O fato é que independentemente do entendimento de que algo precisa ser feito, será que as ameaças são grandes o suficiente para pressionar por uma ação regulatória drástica em escala global?

É para esse debate que chama a atenção o Instituto Monetário Digital (DMI na sigla em inglês), ligado ao Fórum Oficial de Instituições Monetárias e Financeiras (OMFIF), em seu anuário de 2023.

A relação com o sistema financeiro tradicional

Para aqueles que exigem regulamentação, argumenta Philip Middleton, presidente do DMI, o inverno cripto pode ser uma evidência de que as criptomoedas representam, de fato, ameaça significativa tanto à riqueza dos investidores como à saúde do próprio sistema financeiro.

Também pode fazer parecer que, longe de ser um investimento alternativo como muitos de seus proponentes afirmam, as criptomoedas estão intimamente relacionadas ao sistema financeiro convencional.

Porém, apesar da enorme destruição de valor observada ao longo do inverno cripto, Middleton lembra que a indústria de criptomoedas se move dentro de espaço próprio e o colapso não transmitiu ondas de choque tão perigosas ao sistema financeiro global.

Conforme disse, as perdas corporativas e de varejo foram dolorosas para alguns, mas administráveis para o sistema como um todo. Talvez porque o setor não é grande o suficiente, além de ser insuficientemente integrado ao sistema global para apresentar muito perigo de contaminação.

Pode ser ainda que seus vínculos com o sistema convencional tenham sido suficientemente bem policiados por atores públicos e privados para que maiores danos não fossem causados.

Ou porque, desde a crise financeira de 2008, os cintos do sistema financeiro mundial tenham sido consideravelmente apertados e todo o sistema esteja agora mais resistente a choques.

De qualquer modo, Middleton sugere que, mesmo diante do que aconteceu com a FTX – para ele, vítima mais notória do inverno cripto – e embora a possível desatenção de alguns dos reguladores possa estar sob os holofotes de uma perspectiva regulatória mais ampla, independentemente do resultado do caso, até então, há pouco na história da empresa que sugira que uma infraestrutura regulatória massiva seja necessária para policiar o mundo cripto.

Alguns analistas vão além: propõem que como criptomoedas não são moedas, commodities, valores mobiliários e nem unidades de conta, deveriam ser deixados por conta própria.

Inverno cripto e a repercussão no Fórum Econômico Mundial

Entretanto, em artigo assinado na edição 2023 do anuário do DMI, Middleton destaca que o inverno cripto foi, sim, suficiente para que os delegados do Fórum Econômico Mundial deste ano, reunidos em Davos, tenham manifestado exacerbada preocupação com a ameaça à harmonia internacional supostamente representada pelo “anárquico” ecossistema cripto.

Além disso, emenda, não causa surpresa que a solução apontada tenha sido um sistema regulatório universal, abrangente e padronizado baseado na arquitetura regulatória financeira existente, aplicável a todos os participantes do mercado, governos e clientes.

Conforme disse, tal princípio regulatório subjacente considera “mesmo risco, mesma regulamentação”, ecoando os apelos que vêm sendo feitos pelo Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) por equivalência regulatória entre instrumentos financeiros convencionais e criptográficos.

Na sua avaliação, isso tem, sem dúvida, “a consequência não intencional de cimentar as vantagens existentes dos operadores históricos”. O que, como resultado, afirma, exigiria algumas novas agências reguladoras, mais supervisores e uma série de novas leis e regulamentos.

Na melhor das hipóteses, declara, seria um sistema global e tecnocrático que supera as arestas inconvenientes das fronteiras nacionais e preferências políticas – algo não muito diferente da regulamentação dos Mercados de Criptoativos da União Europeia, a MiCa, prevista para a primavera europeia de 2023, que visa definir o padrão global para criptomoedas.

Ademais, Middleton recorda que, em Davos, muito se falou sobre os riscos representados pela escala de lavagem de dinheiro, fraudes e diversos crimes financeiros perpetrados por meio de criptomoedas. Ao mesmo tempo, citaram as perdas incorridas pelos investidores, os riscos impostos a clientes de varejo crédulos, ameaças potenciais à estabilidade do sistema financeiro global e uma incapacidade geral de rastrear e levar os malfeitores à justiça.

Depois do inverno cripto, 2023 será decisivo para regulação?

Contudo, independentemente da corrente de pensamento sobre a regulação, algo não se pode negar: existem algumas lacunas incontestáveis na cobertura das leis, regulamentos e instituições existentes.

Segundo Middleton, uma delas, abordada pela Comissão de Direito do Reino Unido e ainda em um painel do OMFIF, é a definição amorfa de direitos de propriedade, particularmente de ativos digitais e tokens não fungíveis (NFTs).

Nos EUA, por exemplo, o mercado a vista de criptoativos que não foram oficialmente determinados como valores mobiliários não é policiado. Porém, o Conselho de Supervisão da Estabilidade Financeira recomendou fortemente que o Congresso norte-americano legislasse para fechar essa brecha. Embora projetos de lei tenham sido propostos no Congresso, ainda se aguarda o desenrolar da questão.

Por outro lado, ele cita que tais lacunas poderiam ser preenchidas pelo estabelecimento de uma agência autorreguladora para os mercados cripto. Mas, há um debate sobre se isso teria tanta autoridade quanto uma agência reguladora tradicional, afinal envolveria tornar as empresas de criptografia responsáveis por se regularem.

De todo modo, em meio a esse espectro de perspectivas, Middleton conclui que o ano de 2023 parece ser um ano decisivo para criptoativos, incluindo as moedas digitais do banco central (CBDCs).

Ele lembra que o Comitê de Supervisão Bancária do Banco de Compensações Internacionais (BIS) tenta tornar a atividade cripto pouco atraente para as instituições financeiras regulamentadas. Nesse sentido, chegou a sugerir um limite de exposição bancária a criptoativos. Ao passo que promove fortemente a adoção de CBDCs.

“O debate regulatório será abrangente, com defensores de cada uma das principais opções. Isso inclui: estrangular as criptomoedas por meio de regulamentação; criar um regime regulatório discreto para cripto; trazer cripto para dentro do sistema financeiro existente; e identificar e preencher as lacunas existentes nas leis, ou, de outra forma, se isentar da responsabilidade”, conclui.

 

Veja mais:

Universo cripto: tudo que você precisa saber para começar a entender

Criptomoedas no Brasil têm regulação sancionada: e agora, o que se pode esperar?

Façam suas apostas: a regulação de cripto vai mudar de rumo?

Inverno Cripto: congelamento do mercado ou primavera à vista?

Regulação de criptomoedas: países oscilam entre promoção e proibição

Todos os produtos

Quer se
aprofundar mais?

Com uma linguagem simples de entender, as análises do Instituto Propague vão te deixar por dentro dos principais temas do mercado.

Leia agora!